O Estado de S. Paulo

A padroeira do punk

Com dois livros novos e 44 anos de carreira na bagagem, Patti Smith desembarca pela primeira vez na cidade de São Paulo

- Guilherme Sobota

Literatura. Artista multiplata­forma, Patti Smith consolida sua exploração mental com dois livros, ‘O Ano do Macaco’ e ‘Devoção’.

Finalmente, a escriba viajante Patti Smith vai botar os pés em São Paulo, pela primeira vez em mais de 40 anos de carreira. A padroeira do punk rock novaiorqui­no, escritora vencedora do National Book Award, fotógrafa e artista visual, compositor­a de hinos inesquecív­eis e militante das causas humanitári­as é a atração principal do Popload Festival, na sexta-feira, 15, no Memorial da América Latina.

Ela também marcou outras duas aparições. Na quinta, 14, participa de um bate-papo no Sesc Pompeia para apresentar seus dois novos livros – O Ano do Macaco e Devoção –, duas peças literárias que carregam sua voz sensível. No sábado, 16, ela faz outro show musical, beneficent­e, no auditório do Memorial.

Patti falou com o Estado na tarde de quinta-feira, 7, por telefone de Nova York, onde vive, e onde havia chegado de uma viagem extensa pela Europa. Era o mesmo dia, também, do nascimento de Albert Camus, o gênio franco-argelino que influencio­u de maneira fundamenta­l sua escrita – e que “aparece” em Devoção. O livro é um conjunto de relatos em forma de diário recheado por um sensual conto fictício dividido em 10 partes – no primeiro capítulo do livro, ela esmiúça seu próprio processo criativo de construção da narrativa.

Em O Ano do Macaco, Patti narra em um misto enevoado de ficção e memória o ano de 2016, traumático, para ela, na política social – várias vezes ela se referiu a Donald Trump como um “idiota”, mas nunca no livro, cuja narrativa apenas sugere que algumas coisas estão fugindo dos trilhos –, mas também na esfera pessoal. Sandy Pearlman, o crítico de rock que lhe sugeriu a formação de uma banda de rock em 1971 e foi seu amigo por mais de 50 anos, morreu naquele ano, e ele toma uma parte importante do livro. Sam Shepard – outro de seus amigos célebres, um homem que, segundo as páginas e páginas de memórias que Patti fornece aos seus leitores, ela amou a vida inteira. Shepard se foi em 2017, e um epílogo – um panegírico – fecha o livro. A obra é como uma segunda parte de Linha M, de 2015, em que ela também explorou cantos da memória no seu fluxo de consciênci­a particular.

No papo com a reportagem, Patti se mostra animada ao visitar uma cidade pela primeira vez e também em tocar aqui. “Como nunca estivemos aí, quero fazer um mix de músicas que as pessoas vão gostar. Canções do Horses, do Easter (dois de seus

discos dos anos 1970) alguns covers, músicas modernas. Tudo entre Horses e People Have the Power (canção de 1988 que virou hino entre jovens revolucion­ários

mundo afora)”, explica. Num lance de simpatia, pergunta ao repórter: “Você gosta de alguma?” Land (um punk rock declamado de 9 minutos, peça central do Horses, de 1975) é a resposta. “Olha, é um desafio? Vou anotar aqui e colocar na minha lista. Gosto de formar meu setlist assim. Eu só vou para cantar para as pessoas.”

Música ainda é uma parte grande de sua vida – durante a entrevista, ela conta que em cima da sua mesa estava uma cópia em CD do Electric Ladyland, álbum de Jimi Hendrix, um de seus heróis. “Escuto muito o que sempre escutei. Coltrane, My Bloody Valentine, ópera, trilhas sonoras de animes japoneses. Às vezes, também escuto música popular, o que os jovens estão escutando. Estive escutando Billie Eilish, Rihanna... Acho que Eilish é muito interessan­te. O que gosto sobre ela são seus movimentos físicos e toda sua apresentaç­ão. Ela é muito jovem.”

Fã séries de TV policiais e animes (Ghost in the Shell é o seu preferido recentemen­te), Patti admite que tem sido, em primeiro lugar, escritora e leitora. Ela diz estar lendo Nona Fernández (escritora chilena), Yuri Herrera (mexicano) e gostar muito de César Aira (argentino). “Eu o encontrei algumas vezes, nós rimos muito. Eu disse a ele: ‘você é um gênio’. Ele respondeu: ‘Não sou não’. Eu disse: ‘É sim!’”, conta, aos risos.

“Eu não escrevo agora sobre ser mais velha, apenas sou”, ensina. “Eu poderia ter 11 anos de idade. Ainda me lembro de caminhar com o meu cachorro, sonhando acordada, e de algumas maneiras sou muito parecida com o que era quando era jovem. Mas nós evoluímos, sim, sou uma escritora melhor, tenho um entendimen­to melhor das coisas, tenho mais experiênci­a.”

“Na maior parte do tempo, sou uma pessoa solitária. Tenho vários amigos, a banda, pessoas ao redor do mundo, mas muito do tempo passo sozinha. Como sozinha, escrevo, sento em cafés, ando na praia. Minha vida é paradoxal, porque escrever é muito solitário, mas fazer shows é público. Sou uma moeda de dois lados. Parte da minha vida é muito pública, e parte dela é muito solitária. Sou sortuda de ter as duas.”.

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ANDRE D. WAGNER/THE NEW YORK TIMES Bagagem. Patti Smith mantém uma trajetória sólida
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REBECCA MILLER/THE WASHINGTON POST Patti. Voz literária poderosa, voz musical histórica
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FOTOS PATTI SMITH/COMPANHIA DAS LETRAS ‘O Ano do Macaco’. Livro mistura memória e ficção
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Tradutora: Camila von Holdefer
Editora: Companhia das Letras (168 p., R$ 49,90) ??
O ANO DO MACACO Autora: Patti Smith Tradutora: Camila von Holdefer Editora: Companhia das Letras (168 p., R$ 49,90)
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Patti Smith
Tradutor:
Caetano W. Galindo
Editora:
Companhia das Letras (144 p., R$ 39,90)
DEVOÇÃO Autora: Patti Smith Tradutor: Caetano W. Galindo Editora: Companhia das Letras (144 p., R$ 39,90)
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Fotografia­s. Cliques fazem parte da sua narrativa literária

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