Sem governo, Bolívia vive caos; Evo se asila no México
Polícia pede ajuda a militares para conter violência; em La Paz, apoiadores do ex-presidente promovem saques
Sem presidente desde que Evo Morales renunciou, domingo, a Bolívia mergulhou no caos. A polícia se declarou incapaz de garantir a segurança em La Paz e pediu ajuda aos militares. Ontem, a população saiu às ruas em La Paz e El Alto armada com pedras, pedaços de pau e até bananas de dinamite, promovendo saques, incendiando casas, postos de gasolina e delegacias de polícia. À noite, Evo anunciou que estava partindo para o México, que lhe ofereceu asilo. Com a renúncia do presidente, do vice e dos dirigentes da Câmara e do Senado, a presidência ficaria com Jeanine Áñez, segunda-vice-presidente do Senado. Ela fará hoje reunião para discutir a sucessão.
Urgência
“Esta decisão
(de pedir a intervenção das Forças Armadas na segurança pública da capital) é urgente e tem de ser tomada para preservar a vida das pessoas”
José Antonio Barrenechea
COMANDANTE DA
POLÍCIA DE LA PAZ
A renúncia do presidente Evo Morales deixou a Bolívia sem comando e mergulhada em uma onda de violência que levou a polícia em La Paz a se declarar incapaz de garantir a segurança pública e pedir ajuda aos militares. Ontem, parte da população saiu às ruas das cidades vizinhas de La Paz e El Alto armada com pedras, pedaços de pau e até bananas de dinamite, promovendo saques, incendiando casas, postos de gasolina e delegacias de polícia. À noite, Evo anunciou pelo Twitter que estava partindo para o México, que lhe ofereceu asilo, informação confirmada pelo chanceler mexicano, Marcelo Ebrard.
“Irmãs e irmãos, parto rumo ao México, agradecido ao governo desse povo irmão que nos deu asilo para proteger nossa vida. Me dói abandonar o país por razões políticas (...). Logo voltarei com mais força e energia”, tuitou Evo.
Durante a tarde, um avião mexicano chegou à área de Chapare, região produtora de coca no Departamento de Cochabamba, onde Evo disse no Twitter que estava sendo protegido por seus partidários. Desde a noite de domingo, o ex-presidente vinha denunciando que havia uma ordem de prisão “ilegal” contra ele.
Ontem, o líder extremista Luis Fernando Camacho, um dos mais radicais opositores de Evo, confirmou a ordem de prisão, mas o comando da polícia negou que ele estivesse sendo procurado.
O coronel José Antonio Barrenechea, comandante da polícia de La Paz, pediu ao chefe das Forças Armadas, Williams Kaliman, que coloque a tropa nas ruas para “evitar um banho de sangue”. O pedido de intervenção foi feito em uma entrevista coletiva.
Barrenechea disse aos jornalistas que tentou telefonar para Kaliman, que não respondeu às ligações – por isso, o pedido teria sido feito em público, na coletiva. “Esta decisão é urgente e tem de ser tomada para preservar a vida das pessoas”, afirmou o coronel. Em comunicado, as Forças Armadas disseram ter colocado em prática um plano de segurança
para proteger instalações e garantir os serviços básicos de água, luz e fornecimento de gás.
Os distúrbios, porém, foram registrados em várias outras cidades. Uma das formas mais comuns de protesto é incendiar residências de políticos e figuras importantes. A casa de Evo em Cochabamba foi pichada e destruída na noite de domingo. Carlos Mesa, líder opositor e rival de Evo na eleição de outubro, também reclamou que sua casa em Santa Cruz de la Sierra foi atacada por vândalos. Apavorados, muitos se refugiaram em embaixadas. O ministro de governo, Carlos Romero, estaria na embaixada da Argentina – o que mais tarde foi negado pelo governo argentino.
Sucessão. O imbróglio envolvendo o futuro do ex-presidente, no entanto, é a parte mais visível
da crise boliviana. Desde domingo, dezenas de funcionários de alto escalão, ministros de Estado e líderes do Congresso também pediram demissão, pulverizando a linha sucessória. Assim, a presidência caiu no colo de Jeanine Áñez, segunda-vice-presidente do Senado.
Jeanine estava no Departamento de Beni e viajou às pressas para La Paz. A senadora, de oposição, marcou para hoje à tarde uma reunião de emergência no Congresso para analisar a saída de Evo – a carta de renúncia foi entregue ontem – e resolver a sucessão. Se assumir o cargo, ela será a primeira mulher a governar a Bolívia.
Ontem, ela prometeu assumir o cargo de maneira interina e convocar novas eleições até 22 de janeiro – como manda a Constituição. Assim que chegou a La Paz, Jeanine foi colocada sob proteção do Exército e da polícia, mas teve de ser retirada do palácio de governo, na Praça Murillo, após a notícia de que centenas de partidários de Evo estavam marchando de El Alto, reduto de Evo, na direção a La Paz. Outros opositores também tiveram que deixar o palácio às pressas para evitar um confronto.
‘Guerra civil’. Até o início da noite em La Paz, porém, os manifestantes pró-Evo não haviam chegado à capital. Se for confirmada hoje na presidência, o primeiro desafio de Jeanine será restabelecer a ordem nas ruas. Ontem, na maior parte do dia, a polícia estava de braços cruzados, exigindo a saída do comandante Yuri Calderón. Os policiais só começaram a atuar contra atos de vandalismo depois que Calderón renunciou, mas já era tarde para conter os distúrbios.
Para tentar conter saques e incêndios em casas e lojas, muitos moradores montaram barricadas. As redondezas da casa de José Torrez, no bairro de Sopocachi, a vizinhança colocou um drone para patrulhar o movimento. “Este é o ponto de paranoia coletiva que chegamos. Eles nos disseram que estavam descendo de El Alto para La Paz e meus vizinhos saíram para montar barricadas”, disse.
Ontem, duas delegacias foram incendiadas. Veículos, estações do teleférico de La Paz e postos de gasolina também foram destruídos. Ao todo, 20 pessoas ficaram feridas apenas na capital. As lojas e os bancos permaneceram de portas fechadas. Muitos cobriram as vitrines com tapumes de madeira para evitar quebradeira./