Renúncia foi um golpe ou o resultado da vontade popular?
Os bolivianos acordaram ontem sem liderança e atordoados após a renúncia do presidente Evo Morales, o ícone da esquerda afastado do cargo em meio a acusações que seu partido fraudou as eleições do mês passado. Enquanto o país mais pobre da América do Sul tentava compreender os acelerados eventos do dia anterior, seus cidadãos enfrentavam uma questão-chave: a democracia fracassou ou venceu?
Evo, que transformou a Bolívia durante seus quase 14 anos no cargo, considerou a pressão que o forçou a sair como um “golpe”. Na manhã de domingo, a Organização dos Estados Americanos disse ter constatado uma “clara manipulação” das eleições do dia 20. As Forças Armadas e a polícia retiraram seu apoio e a oposição desencadeou uma onda de ataques aos aliados socialistas de Evo.
A Bolívia enfrentava divisões profundas e uma persistente violência – com a forte possibilidade de um agravamento. Da noite para o dia, manifestantes da oposição saquearam e queimaram casas de políticos socialistas – incluindo a de Evo. Pelo menos 20 funcionários do MAS, partido de Evo, pediram asilo na Embaixada do México.
Alguns integrantes da oposição estavam claramente ansiosos por vingança contra o governo que dominou o país desde 2006. O líder de direita Luis Fernando Camacho convocou, no domingo à noite, mais dois dias de protestos e disse que apresentaria propostas para processar Evo, seu ex-vicepresidente, Álvaro Garcia Linera, e legisladores do MAS. Dois membros do tribunal eleitoral – sua ex-presidente Maria Eugenia Choque e ex-vice-presidente Antonio Costas – já foram detidos. O Ministério Público emitiu mandados contra todos os funcionários da Justiça Eleitoral.
Uma questão-chave é saber se a oposição de direita, agora claramente no controle da
Bolívia, permitiria que os socialistas apresentassem qualquer candidato nas novas eleições depois que a OEA detectou evidências de fraude eleitoral. Evo, que venceu eleições passadas por largas margens, havia prolongado demais sua permanência no cargo. Ele concorreu à reeleição, apesar de perder um referendo nacional sobre limites de mandato. Mas os socialistas ainda têm um significativo apoio na Bolívia, e a decisão de barrá-los traz o risco de mais conflito.
O debate para definir se a democracia foi restaurada ou ignorada se acirrou na Bolívia e em toda a região. Os socialistas de Evo foram acusados de fraudar a eleição. Mas os críticos disseram que a decisão dos militares de retirar seu apoio – e a força da multidão que o forçou a sair – era tudo, menos constitucional. As opiniões ficaram ao longo de linhas ideológicas, expondo as divisões políticas entre e dentro das nações latino-americanas.