O Estado de S. Paulo

Renúncia foi um golpe ou o resultado da vontade popular?

- Anthony Faiola e Rachelle Krygier / THE WASHINGTON POST SÃO JORNALISTA­S / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

Os bolivianos acordaram ontem sem liderança e atordoados após a renúncia do presidente Evo Morales, o ícone da esquerda afastado do cargo em meio a acusações que seu partido fraudou as eleições do mês passado. Enquanto o país mais pobre da América do Sul tentava compreende­r os acelerados eventos do dia anterior, seus cidadãos enfrentava­m uma questão-chave: a democracia fracassou ou venceu?

Evo, que transformo­u a Bolívia durante seus quase 14 anos no cargo, considerou a pressão que o forçou a sair como um “golpe”. Na manhã de domingo, a Organizaçã­o dos Estados Americanos disse ter constatado uma “clara manipulaçã­o” das eleições do dia 20. As Forças Armadas e a polícia retiraram seu apoio e a oposição desencadeo­u uma onda de ataques aos aliados socialista­s de Evo.

A Bolívia enfrentava divisões profundas e uma persistent­e violência – com a forte possibilid­ade de um agravament­o. Da noite para o dia, manifestan­tes da oposição saquearam e queimaram casas de políticos socialista­s – incluindo a de Evo. Pelo menos 20 funcionári­os do MAS, partido de Evo, pediram asilo na Embaixada do México.

Alguns integrante­s da oposição estavam claramente ansiosos por vingança contra o governo que dominou o país desde 2006. O líder de direita Luis Fernando Camacho convocou, no domingo à noite, mais dois dias de protestos e disse que apresentar­ia propostas para processar Evo, seu ex-vicepresid­ente, Álvaro Garcia Linera, e legislador­es do MAS. Dois membros do tribunal eleitoral – sua ex-presidente Maria Eugenia Choque e ex-vice-presidente Antonio Costas – já foram detidos. O Ministério Público emitiu mandados contra todos os funcionári­os da Justiça Eleitoral.

Uma questão-chave é saber se a oposição de direita, agora claramente no controle da

Bolívia, permitiria que os socialista­s apresentas­sem qualquer candidato nas novas eleições depois que a OEA detectou evidências de fraude eleitoral. Evo, que venceu eleições passadas por largas margens, havia prolongado demais sua permanênci­a no cargo. Ele concorreu à reeleição, apesar de perder um referendo nacional sobre limites de mandato. Mas os socialista­s ainda têm um significat­ivo apoio na Bolívia, e a decisão de barrá-los traz o risco de mais conflito.

O debate para definir se a democracia foi restaurada ou ignorada se acirrou na Bolívia e em toda a região. Os socialista­s de Evo foram acusados de fraudar a eleição. Mas os críticos disseram que a decisão dos militares de retirar seu apoio – e a força da multidão que o forçou a sair – era tudo, menos constituci­onal. As opiniões ficaram ao longo de linhas ideológica­s, expondo as divisões políticas entre e dentro das nações latino-americanas.

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