O Estado de S. Paulo

Sem DPVAT, motociclis­ta será o mais prejudicad­o

- Bruno Ribeiro Paula Felix Renata Okumura

A maior parte das indenizaçõ­es pagas pelo seguro DPVAT, extinto anteontem, envolve motociclis­tas – são, em média, 250 mil dos 460 mil pagamentos anuais. Como justificat­iva para o fim da cobrança, em 2020, o governo alega fraudes, custo de fiscalizaç­ão e o fato de o SUS suprir o serviço. Especialis­tas negam e dizem que a medida atingirá os mais pobres.

Nos últimos dez anos, uma média de 460 mil vítimas ou parentes de pessoas mortas em acidentes de trânsito puderam contar com o pagamento do Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotore­s de Via Terrestre (DPVAT) por ano. A maior parte desse total, 250 mil, foi de motociclis­tas que se acidentara­m e ficaram inválidos, com sequelas permanente­s que os impedem de trabalhar.

O benefício foi extinto anteontem por uma medida provisória publicada pelo presidente Jair Bolsonaro e continua a valer apenas até 31 de dezembro. Ele consistia em um pagamento garantido a toda pessoa que se envolvesse em um acidente de trânsito dentro do território nacional causado por veículo registrado no País.

Eram três tipos de indenizaçã­o: por morte (para parentes) ou por invalidez permanente (para a vítima), além de uma indenizaçã­o de despesas médicas. Nos dois primeiros casos, a apólice era de R$ 13,5 mil e, no terceiro, de até R$ 2,7 mil. De 2009 a 2018, 3,27 milhões de pessoas que ficaram sem poder trabalhar depois de acidente receberam as apólices.

Além dos pagamentos de apólices, o seguro obrigatóri­o também ajudou no financiame­nto do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Departamen­to Nacional do Trânsito (Denatran) com cerca de R$ 37 bilhões, entre os anos de 2008 e 2018, segundo dados da Seguradora Líder, que gerenciava os pagamentos. Esses custos agora serão assumidos pela União.

Vítima. Em dezembro de 2018, o promotor de vendas Jéferson Martins de Oliveira, de 23 anos, sofreu um acidente de moto que mudou sua vida. Estava voltando do trabalho, quando colidiu com um carro na rodovia MG-404, em Taiobeiras, no norte de Minas. “Tive fraturas expostas do lado esquerdo, levando à desarticul­ação do joelho esquerdo e do ombro. Perdi muito sangue, meu tornozelo direito desarticul­ou porque foi necrosando.” O pagamento o ajudou a comprar itens para a sua reabilitaç­ão, que ainda está longe do fim. “Cadeira de rodas, de banho e medicament­os.”

Os argumentos do governo federal para a extinção do DPVAT incluem fraudes detectadas no sistema, custo de regulação e serviço semelhante ao do SUS. O diretor da Superinten­dência de Seguros Privados (Susep), Rafael Scherre, afirma que a medida supre demanda do Tribunal de Contas da União (TCU). “O número do repasse de 2019 (para o SUS) é de R$ 965 milhões e a tendência era de diminuição.” Ainda segundo ele, “o

SUS não vai perder recursos”.

Consideran­do o novo cenário, o advogado especialis­ta em Direito do Trânsito Maurício Januzzi afirma que, agora, se a pessoa se ferir no trânsito, terá de processar ela mesma o responsáve­l pelo acidente. “Pode procurar a Defensoria”, observa, se não tiver um advogado.

Especialis­tas da área argumentam que a medida atingirá justamente a população de menor renda e, em especial, motociclis­tas que ficaram inválidos após um acidente.

“É um dinheiro para compensar uma família destroçada psicologic­amente e financeira­mente. É para pagar as necessidad­es básicas emergencia­is quando uma pessoa deixa de produzir por estar machucada. Não é um seguro de saúde ou

aposentado­ria”, afirma o engenheiro e mestre em transporte­s pela Escola Politécnic­a da Universida­de de São Paulo (PoliUSP), Sergio Ejzenberg.

“O Brasil todo é sabedor do número de fraudes no DPVAT”, afirma a presidente da Associação Nacional de Detrans, Larissa Abdalla Britto. “A AND e os Detrans alertaram isso.” Mas ela ressalta que “o DPVAT é um

seguro obrigatóri­o que atinge aquelas pessoas que não têm condições de fazer um”.

Sem dados. Larissa lembra ainda que o País não tem sistema integrado de coleta de dados de acidentes de trânsito. Os dados nacionais eram coletados pelos pagamentos do DPVAT. Sem ele, não haverá informaçõe­s de abrangênci­a nacional.

 ?? MARCELO GONCALVES/SIGMAPRESS–23/10/2019 ?? Seguro. Benefício era garantido a motoristas, passageiro­s e pedestres que se envolvesse­m em acidente de trânsito; a partir do ano que vem, será extinto
MARCELO GONCALVES/SIGMAPRESS–23/10/2019 Seguro. Benefício era garantido a motoristas, passageiro­s e pedestres que se envolvesse­m em acidente de trânsito; a partir do ano que vem, será extinto
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil