Estatais dominadas
A existência de cerca de 100 milhões de pessoas sem saneamento revela as péssimas condições de vida no País.
Aapropriação pelos próprios funcionários das companhias estatais de saneamento básico de boa parte dos ganhos que essas empresas tiveram com as sucessivas altas das tarifas de água e esgoto comprometeu seriamente os investimentos na área e retardou a expansão da oferta desses serviços essenciais para a saúde da população. A existência, ainda hoje, de cerca de 100 milhões de pessoas sem acesso a sistema público de coleta e tratamento de esgotos é o retrato mais realista e dramático das péssimas condições de vida nas cidades que as empresas estatais de saneamento básico não têm conseguido reverter. A submissão dessas empresas aos interesses de suas corporações – nítida nos ganhos salariais com que seus funcionários foram brindados nos últimos anos –, combinada com incompetência, incúria e, não raro, corrupção, vem preservando esse quadro que coloca em risco a saúde de milhares de crianças e deixa o Brasil com números piores que os do Iraque quanto à cobertura de serviços de saneamento básico.
Reportagem do Estado mostrou que, entre 2014 e 2017, as tarifas cobradas pelas empresas de saneamento básico aumentaram 30,7% em termos nominais e as despesas com a folha de pessoal cresceram praticamente na mesma proporção (26,9%). Mas os investimento caíram quase 3%. Esses números, que constam de estudo feito pela Consultoria Inter.B a partir de dados do Sistema Nacional de Informações de Saneamento, mostram a que tipo de despesa os gestores dessas companhias deram preferência.
Elas não estão conseguindo nem mesmo reduzir o volume de água tratada que perdem por problemas na rede. As perdas, no período considerado, passaram de 36,6% para 38,3% do que essas companhias produzem. Defeitos da rede e os chamados “gatos”, que são ligações clandestinas, causam prejuízos estimados em R$ 11,3 bilhões para essas empresas. A Cedae, concessionária do Rio de Janeiro, conseguiu reduzir suas perdas para cerca de 30%, mas seus gastos seguem o padrão das demais companhias do setor. Seus investimentos foram cortados em 62%, mas as despesas com pessoal aumentaram 55%, bem mais do que as tarifas (alta de 22,3%).
A Cedae retrata uma situação que torna ainda mais urgente a abertura do setor aos investimentos privados. A entrada de capital particular no saneamento básico vem sendo anunciada há anos, mas a resistência das empresas estatais – na grande maioria controladas pelos Estados – e de seus funcionários impede que isso ocorra. “Há muitos anos as empresas estão capturadas, numa situação que vem se agravando”, disse o presidente da Inter.B, Cláudio Frischtak. Essas empresas dominam 70% do mercado, daí o mau estado do saneamento básico.
O País tem uma importante oportunidade para mudar esse quadro, por meio do estabelecimento de um novo marco regulatório para o setor. O relatório do projeto de lei que estabelece o novo marco foi aprovado há dias pela comissão especial formada para examiná-lo e deve ser apreciado pelo plenário da Câmara dos Deputados proximamente. Se aprovado, será enviado para o Senado.
O texto dá prazo de um ano para a licitação obrigatória dos serviços de saneamento. Nesse período, as empresas estaduais de água e esgotos poderão renovar por 30 anos os contratos vigentes firmados com os municípios. Novos contratos semelhantes aos existentes hoje, porém, não serão mais permitidos.
O relatório estabelece que os contratos de saneamento básico deverão definir metas de universalização que garantam o atendimento de, respectivamente, 99% e 90% da população com água tratada e coleta e tratamento de esgotos até 31 de dezembro de 2033. Contratos vigentes que não contenham essas metas terão de ser adaptados no prazo de um ano.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, acredita que o novo marco regulatório vai promover uma onda de investimentos no setor. “Essa é uma grande fronteira de investimentos no Brasil, que trará os serviços básicos para as cidades brasileiras”, disse.