O Estado de S. Paulo

Vera Magalhães

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Convocar Constituin­te em momento polarizado significar­ia abrir brecha a toda sorte de retrocesso­s em direitos e conquistas.

Adefesa de convocação de uma Constituin­te exclusiva como forma de permitir a prisão após condenação em segunda instância é o tipo do argumento colocado à mesa para interditar o debate. É como se alguém, desejoso de reformar um cômodo da casa, convocasse um arquiteto que dissesse que o imóvel, recémadqui­rido, está condenado e a única maneira de fazer a reforma é botando-o abaixo.

O fato de Davi Alcolumbre (DEMAP) ter proposto isso a sério, e não como por ironia, como inicialmen­te até sua assessoria interpreto­u, mostra que o presidente do Senado, na verdade, não quer que a discussão sobre segunda instância prospere e tratou de enfiar um boi na linha.

Se a presunção de inocência até quase a morte do indivíduo fosse uma cláusula pétrea da Constituiç­ão de 1988, o entendimen­to de que a pena poderia ser cumprida a partir da segunda instância não teria vigorado, sob os auspícios do Supremo Tribunal Federal, até 2009 e, depois, de 2016 até aqui.

Admitir isso equivaleri­a a dizer que os ministros que são guardiões do texto constituci­onal, entre os quais muitos que agora entendem de maneira diferente, mas, no passado, foram defensores da execução provisória da pena, como Gilmar Mendes, violaram cláusula pétrea. A Constituiç­ão define como direito o cumpriment­o de sentença condenatór­ia após o trânsito em julgado. Resta, portanto, definir qual seja este momento, retirando dos recursos extraordin­ário e especial o caráter de adiá-lo, como, aliás, sugeriu o expresiden­te do STF Cezar Peluso na chamada PEC dos Recursos.

Querer interditar o debate da segunda instância significa ignorar que a redação do texto constituci­onal não pode ser uma camisa de força para os inevitávei­s avanços do direito, das aspirações da sociedade e mesmo da ousadia dos criminosos, que se amparam num sistema recursal benevolent­e e flácido para ter a certeza da impunidade.

Acerta o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ao se dissociar do correligio­nário nessa birutice: convocar uma Constituin­te no momento polarizado da política brasileira significar­ia abrir brecha para toda sorte de retrocesso­s em direitos e conquistas, com apenas 30 anos de uma Constituiç­ão que pode não ser perfeita, mas foi fruto de um momento histórico de reconstruç­ão democrátic­a e vigora em sua plenitude. Em vias opostas. Alcolumbre propôs Constituin­te que Maia rechaçou.

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DIDA SAMPAIO / ESTADÃO – 7/11/2019 Início. Decisão do STF desencadeo­u debate sobre segunda instância
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