Várias cidades em uma só
OBrasil é o país mais desigual do mundo e sua maior cidade é o retrato mais bem acabado dos perversos contrastes dessa desigualdade. Isso fica claro no recém-divulgado Mapa da Desigualdade 2019, relatório elaborado pela ONG Rede Nossa São Paulo desde 2012. O Mapa apresenta a avaliação dos 96 distritos da capital paulista de acordo com 50 indicadores sociais, econômicos e culturais.
Para medir o abismo entre os melhores e os piores distritos avaliados segundo cada um dos indicadores, a Rede Nossa São Paulo criou o “Desigualtômetro”, índice que muito mais do que atestar as discrepâncias entre ricos e pobres, brancos e pretos ou homens e mulheres evidencia o tamanho dos desafios a serem superados para que São Paulo seja uma cidade mais justa e acolhedora para os cerca de 12,2 milhões de pessoas que aqui vivem.
O achado do Mapa da Desigualdade 2019 que recebeu maior destaque foi a enorme diferença que há entre a idade média ao morrer dos moradores de Moema, na zonal sul, e de Cidade Tiradentes, na zona leste. De acordo com o levantamento feito pela Rede Nossa São Paulo, tendo como base os registros de 2018 fornecidos pela Secretaria Municipal de Saúde, os falecidos de Moema tinham, em média, 80,57 anos ao morrer. Os de Cidade Tiradentes,
57,31 anos. Ou seja, os paulistanos que usufruem das condições de vida oferecidas pelo rico distrito da zona sul viveram, em média, 23 anos a mais do que os de Cidade Tiradentes. Há de ter o cuidado, no entanto, de fazer as devidas ponderações para que o dado frio não leve à conclusões equivocadas. Trata-se da idade média ao morrer, não da expectativa de vida ao nascer. Também deve-se levar em consideração que Cidade Tiradentes é um distrito mais jovem do que Moema. Evidentemente, a diferença de condições de vida em uma localidade e em outra é enorme, sob quaisquer critérios que se avalie. Apenas um indicador não daria conta de explicar o grau de complexidade que separa dois mundos em uma mesma cidade.
O Mapa da Desigualdade 2019 revela também que desigualdade econômica e desigualdade racial caminham juntas em São Paulo. Os distritos mais pobres da capital paulista concentram o maior porcentual de população de pretos e pardos. Na Barra Funda, por exemplo, a taxa de emprego formal por dez habitantes participantes da População em Idade Ativa (PIA) é de 59,24%, a maior do Mapa. Já o porcentual de pretos e pardos moradores do distrito da zona oeste é de apenas 15,71%. Em Jardim Ângela, distrito da zona sul, 60,11% dos moradores são negros ou pardos. Apenas 0,5% deles têm empregos formais. De acordo com o IBGE, 56% da população brasileira é preta ou parda. Como se depreende do relatório da Rede Nossa São Paulo, não há uma distribuição homogênea da população preta e parda da maior cidade do País, que vive em uma espécie de segregação socioeconômica nos distritos mais pobres.
À medida que cada um dos 50 indicadores do Mapa é apresentado, fica claro que há várias “cidades” dentro de uma só. Algumas com indicadores comparáveis aos de cidades ricas da Europa e dos Estados Unidos; outras tão miseráveis quanto cidades da África ou da Ásia. Muitos distritos paulistanos estão desprovidos dos mais básicos equipamentos públicos para que seus moradores tenham uma vida digna, como Unidades Básicas de Saúde, creches, escolas e bibliotecas. São distritos que retratam o abandono a que foram relegados pelo poder público.
O Brasil tem uma alta conta a acertar com sua história de patrimonialismo, corrupção e desigualdade. São Paulo, a mais pujante cidade do País, a maior da América do Sul, não pode conviver naturalmente com contrastes tão profundos como os revelados pelo Mapa da Desigualdade 2019. O abismo entre ricos e pobres, entre homens e mulheres e pretos e brancos causa hoje tristeza e indignação, além de apreensão quanto ao futuro. Só a união dos esforços das três esferas de governo e da sociedade civil será capaz de erguer o peso que nos mantém ancorados no atraso.