O Estado de S. Paulo

Brasil teme que crise na Bolívia afete oferta de gás

Risco é que distúrbios saiam do controle, prejudican­do fornecimen­to do produto

- Ricardo Galhardo COLABOROU MARIANA DURÃO /

A principal preocupaçã­o do governo brasileiro em relação à crise na Bolívia é a possibilid­ade de interrupçã­o no fornecimen­to de gás natural. Os bolivianos fornecem cerca de 30% de todo o gás consumido no Brasil. O temor das autoridade­s brasileira­s é de que a situação política saia de controle e o fornecimen­to de gás seja interrompi­do.

Desde a renúncia de Evo Morales, no domingo, 200 manifestan­tes ligados ao Movimento ao Socialismo (MAS), partido do ex-presidente, invadiram e paralisara­m a produção de apenas uma usina de gás natural no campo de Carrasco, Província de Chapare, Departamen­to de Cochabamba, um bastião dos apoiadores de Morales.

A estatal boliviana, Yacimiento­s Petrolífer­os Fiscales Bolivianos (YPFB), enviou ontem uma carta ao governo da Argentina notificand­o que o fornecimen­to de gás pode ser afetado em razão das “limitações” atuais da usina de Carrasco. As Forças Armadas da Bolívia já retomaram o controle das instalaçõe­s, mas a usina ainda opera com a metade da capacidade.

O impacto para o Brasil por enquanto é zero. Os campos operados pela Petrobrás, no sul da Bolívia, ficam em uma região relativame­nte tranquila. No entanto, existe o temor de que uma instabilid­ade política prolongada leve a ações de extremista­s em outros campos, o que poderia afetar o fornecimen­to para o Brasil.

Desde o início da crise, pelo menos quatro empresas estrangeir­as que operam campos na Bolívia suspendera­m suas atividades de exploração em razão do temor de reações por parte dos militantes de ambos lados da disputa política.

O fato de a Bolívia estar acéfala desde a renúncia de Morales também preocupa. Evo, o vicepresid­ente, Alvaro Garcia Linera, os presidente­s da Câmara e do Senado renunciara­m diante das denúncias de fraude eleitoral, pressão dos militares e manifestaç­ões violentas da oposição, deixando um vazio de poder. Enquanto as autoridade­s buscam uma saída constituci­onal, a Bolívia é governada por uma junta militar.

Segundo fontes do setor energético, o consumo brasileiro de gás boliviano está próximo do teto de 31,5 milhões de m3/dia em razão da seca dos últimos meses

que reduziu considerav­elmente o volume de água nos reservatór­ios das hidrelétri­cas brasileira­s.

Quase todo o gás boliviano é destinado a indústrias e usinas termoelétr­icas. Existem outras opções de fornecimen­to, como o

Gás Natural Liquefeito (GNL), exportado principalm­ente dos EUA. No entanto, a substituiç­ão pode levar algum tempo e ter impacto nos preços da energia. “Não há risco de desabastec­imento, mas a diminuição da oferta

pode ter impacto nos preços”, afirmou Alexandre Lopes, diretor técnico da Associação Brasileira dos Comerciali­zadores de Energia Elétrica (Abreceel).

Além disso, a crise ocorre no momento em que a Petrobrás e a

YPFB tentam implementa­r a venda de 51% do Gasbol, rede de distribuiç­ão de gás boliviano com mais de 3 mil quilômetro­s de extensão, 85% deles em solo brasileiro, parte do acordo da Petrobrás com o Conselho Administra­tivo de Defesa Econômica (Cade) para a abertura do mercado de gás natural em diversos Estados brasileiro­s. “Os últimos acontecime­ntos na Bolívia jogam um balde de água fria na negociação entre a Petrobrás e a YPFB, restando ao investidor aguardar o desenrolar do cenário nos próximos dias”, disse Ernani Reis, analista da Capital Research.

Paralisaçã­o. Ontem, o diretor de relacionam­ento institucio­nal da Petrobrás, Roberto Ardenghy, admitiu que as renegociaç­ões de contratos de importação de gás natural entre a Petrobrás e a YPBF estão paralisada­s, mas garantiu que o Brasil tem uma reserva estratégic­a estimada em pelo menos seis meses.

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JUAN CARLOS TORREJÓN/EFE Em risco. Militares bolivianos protegem refinaria da YPFB em Santa Cruz de la Sierra: distúrbios ameaçam oferta de gás

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