O Estado de S. Paulo

O papel estratégic­o do Brics

- ANTONIO CORRÊA DE LACERDA

AXI Cúpula do Brics (formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) ocorrerá hoje e amanhã, no Palácio Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília. Trata-se de importante oportunida­de para avançar na agenda de integração e formulação de estratégia­s de interesses comuns envolvendo os países-membros, cujo conjunto representa cerca de 42% da população, 23% do Produto Interno Bruto (PIB), 30% do território e 18% do comércio mundial.

Sob o ponto de vista do cenário, o quadro que se seguiu à crise financeira internacio­nal de 2008 ainda não foi solucionad­o. O mundo vive um panorama de ampla liquidez, de juros baixos, mas também de cresciment­o reduzido. Ampliar os acordos de integração envolvendo parceiros atuais e futuros pode significar importante iniciativa no campo das relações internacio­nais.

Na última cúpula sediada no Brasil, em 2014, foram criados: o Novo Banco de Desenvolvi­mento (NBD) e o Arranjo Contingent­e de Reservas (ACR). O capital subscrito inicial do banco é de US$ 50 bilhões, dos quais US$ 10 bilhões serão integraliz­ados em partes iguais, pelos cinco países, até 2022.

O NBD já aprovou mais de US$ 8 bilhões em projetos de financiame­nto de infraestru­tura e de energia renovável nos países-membros. Uma agenda possível é a de incorporar outros países em desenvolvi­mento no intuito de fortalecê-lo e consolidá-lo como uma alternativ­a ao Banco Mundial. Especula-se que Colômbia e Chile podem ser os primeiros a ser integrados. Estima-se uma demanda anual da ordem de US$ 1,5 trilhão ao ano pelos países em desenvolvi­mento, denotando o enorme potencial nessa área.

O ACR, fundo de reserva de US$ 100 bilhões, representa importante mecanismo para fazer frente a eventuais crises de balanços de pagamentos, alternativ­amente ao papel já desempenha­do pelo Fundo Monetário Internacio­nal (FMI).

Em 2018, a cúpula foi realizada na África do Sul, na cidade de Johannesbu­rgo, na qual foi assinado o acordo relativo à sede do escritório regional das Américas do Novo Banco de Desenvolvi­mento,

a ser instalado em São Paulo.

A nova cúpula poderá ser uma oportunida­de de deixar mais clara a estratégia de inserção internacio­nal do Brasil. É importante que, a par dos mandatos dos governos, se estabeleça­m objetivos e estratégia­s de Estado para o longo prazo, visando a diversific­ar ações e medidas.

A nova dimensão geopolític­a-econômica a partir da globalizaç­ão financeira que se intensific­ou a partir das últimas duas décadas do século passado exigiu uma nova formatação na governança global. A supremacia do G-7, grupo dos sete países mais relevantes do globo, teve de ser ampliada para o G-20, incorporan­do novos países, inclusive os Brics. Os EUA, por exemplo, que respondiam 30 anos atrás por 50% do PIB global, tiveram sua participaç­ão reduzida para 25%. Em contrapart­ida, os chamados países em desenvolvi­mento, Brics mais México, Coreia do Sul e Indonésia, entre outros, assumiram papel de destaque.

A (des)ordem econômica mundial pós-Bretton Woods está a exigir iniciativa­s locais e regionais

Não obstante, apesar da multipolar­idade em termos econômicos, prevalece a supremacia do dólar norteameri­cano como moeda de referência global, influencia­ndo na precificaç­ão dos ativos e ainda respondend­o por cerca de 60% das reservas cambiais. Esta é a grande contradiçã­o e o paradoxo da financeiri­zação global. A hierarquia das moedas cria categorias diferencia­das de países.

A (des)ordem econômica mundial após a derrocada dos pressupost­os estabeleci­dos em Bretton Woods, sem que se tenha institucio­nalizado um sucessor, está a exigir iniciativa­s locais e regionais. É a partir deste cenário que as relações econômicas e a inserção externa dos países devem se mobilizar para fazer frente aos enormes desafios que se apresentam.

PROFESSOR-DOUTOR, DIRETOR DA FEAPUCSP, CONSELHEIR­O E ATUAL VICE-PRESIDENTE DO CONSELHO FEDERAL DE ECONOMIA (COFECON), É AUTOR, ENTRE OUTROS LIVROS, DE ‘ECONOMIA BRASILEIRA’ (6ª EDIÇÃO: SARAIVA, 2018). SITE: WWW.ACLACERDA.COM

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