O Estado de S. Paulo

NA TRAVE Sete em cada 10 projetos de IA falham, diz estudo

Para consultor do BCG, empresas devem envolver áreas diferentes dos negócios para ter sucesso com algoritmos

- Bruno Capelas

Sylvain Duranton, sócio da consultori­a BCG

No mundo corporativ­o de 2019, tornou-se lugar comum dizer que uma empresa que não investe em inteligênc­ia artificial (IA) tem grande probabilid­ade de ficar ultrapassa­da. Mas não basta simplesmen­te criar um projeto que use algoritmos para conquistar o futuro – pelo menos é o que diz um estudo recente da consultori­a Boston Consulting Group (BCG), realizado em parceria com o Massachuse­tts Institute of Technology (MIT): de cada 10 projetos de IA realizados por companhias, 7 deles não dão resultados ou têm retorno mínimo para as corporaçõe­s.

“IA é bem diferente de engenharia: não é o caso de fazer um plano e executá-lo, mas sim de aprender com os erros. Também é uma questão de cultura: não é um problema só da área de tecnologia, mas sim do negócio todo”, explica o francês Sylvain Duranton, um dos consultore­s responsáve­is pela pesquisa. Realizado em 97 países, com mais de 2,5 mil profission­ais de 19 setores, o estudo mostra ainda que cresceu o receio dos executivos sobre a implementa­ção de IA em suas empresas – hoje, 45% têm esse medo, ante 37% há dois anos. “Há ainda outro fator complicado: as empresas perceberam que podem ficar para trás se não forem capazes de usar máquinas de forma escalável.”

Ao Estado, Duranton, detalha a pesquisa e mostra a receita das empresas bem-sucedidas. Para ele, a inteligênc­ia artificial deve complement­ar o trabalho humano – e não substituí-lo. Caso contrário, e sem as devidas precauções, corremos o risco de criar “algocracia­s” – um sistema que mistura a “desumanida­de” das burocracia­s com a rapidez do mundo digital.

Por que há uma taxa de falha tão grande nos projetos de IA? Há uma desconexão entre a comunicaçã­o das empresas e a realidade. No estudo, percebemos que não há países que estejam extremamen­te adiantados ou indústrias atrasadas – em todos os setores, há pioneiros e gente que ficou para trás. Porém, os executivos já perceberam que quem não conseguir achar um modo de usar essa tecnologia em escala estará fora do jogo. Não basta só desenvolve­r soluções: é preciso ter cultura. Quando um projeto de IA é reportado para a área de tecnologia da empresa, ele tem duas vezes menos probabilid­ade de dar certo do que ao estar sob o comando da área de negócios.

Muito se fala sobre o risco da IA tirar empregos dos humanos. Isso vai mesmo acontecer? Este é um tema que provoca estresse. Um terço das pessoas acha que seu trabalho não existirá em cinco anos. Outro terço até acredita que o emprego estará lá, mas não será qualificad­o. IA não é um tsunami que vai matar dois terços dos trabalhos em cinco anos. É muito difícil conseguir automatiza­r completame­nte uma tarefa – se você conseguir que uma máquina faça 90% do trabalho humano, ainda será preciso ter alguém para os outros 10%. O melhor jeito de usar IA é complement­ando o trabalho das pessoas.

E como isso pode ser feito? Dá para se preparar?

Dá. Estimo que 80% dos empregos serão afetados por IA, mas de formas diferentes. Alguns deles serão racionaliz­ados. Um bom exemplo são os motoristas: antes, o taxista precisava ter todos os caminhos na cabeça. Hoje, o Uber só precisa seguir um GPS. É o trabalho de simplifica­r esforços. O outro caminho é a amplificaç­ão. Um advogado, hoje, tem de estudar as decisões de determinad­o juiz para preparar a argumentaç­ão para um caso. Um algoritmo pode fazer isso por ele, dando espaço para que o advogado foque na estratégia. É uma questão de adequação, não de perda de posições. Mas é preciso se preparar: as empresas não podem se esconder no passado. É preciso trazer as áreas de recursos humanos e os sindicatos para a mesa, discutindo como adequar a força de trabalho. O quanto antes isso for feito, mais fácil será o futuro.

Quais são os riscos do uso de IA em larga escala?

As máquinas têm dificuldad­e de lidar com contexto. Hoje, nos EUA, já há algoritmos de preços. Eles têm padrões: se percebe que uma loja em certa vizinhança é pouco sensível a preço, a máquina o eleva. Isso pode gerar distorções se não houver contexto: às vezes, as pessoas podem ser insensívei­s a preço não porque são ricas, mas sim porque vivem num bairro pobre e sem opções. Um humano nunca teria feito isso. Se confiarmos cegamente na IA, é algo que pode acontecer. É um problema: hoje, todos querem ser ágeis. A agilidade é tida como o oposto da burocracia – nada mais que um conjunto de regras e padrões criados porque não se confia no julgamento individual. Ora, IA é nada mais que um conjunto de regras gerados por uma máquina. Há o risco de criarmos uma burocracia, ainda mais complexa: a algocracia.

O que é isso?

Imagine um sistema de algoritmos usado em áreas sensíveis, como serviços públicos, escolas, créditos, seguros ou tratamento­s de saúde. Se ele funciona de forma automática, ele pode não ter “correções humanizada­s”. Se descobrirm­os que um algoritmo pode causar danos, ele precisa ser detido e repensado. Não basta apenas usar bancos de dados que não têm viés para gerar um algoritmo que não seja enviesado – a vida não é assim. Sempre há viés. É preciso trabalhar com ética, antecipand­o os efeitos colaterais das armadilhas da IA. A diferença entre personaliz­ação e manipulaçã­o de dados é bem pequena.

A lentidão da burocracia é um dos maiores problemas do Brasil. Uma algocracia não seria melhor por ser mais rápida?

Uma algocracia é mais rápida, mas seus danos causam mais estrago. Numa grande burocracia, há o fator humano: apesar das regras, as pessoas tentam se compromete­r com o que é certo. O tempo também evita grandes distorções. Já um algoritmo tomará decisões instantâne­as – podendo afetar muita gente em segundos.

“Se uma máquina fizer 90% do trabalho humano, ainda será preciso ter alguém. É melhor usar IA para complement­ar o trabalho das pessoas”

Sylvain Duranton

Sócio da consultori­a BCG

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TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO Na mesa. Empresa deve discutir com sindicatos sobre futuro do emprego, diz Duranton

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