O Estado de S. Paulo

Em revés para governo, Trump diz que vai taxar aço brasileiro

Americano acusa Brasil e Argentina de desvaloriz­ar moedas e promete também aumentar tarifa sobre alumínio

- /LUCIANA DYNIEWICZ, MÁRCIA DE CHIARA, LORENNA RODRIGUES e TIAGO AGUIAR

O presidente dos EUA, Donald Trump, acusou Brasil e Argentina de promover uma “maciça desvaloriz­ação” de suas moedas e anunciou a retomada de sobretaxas sobre aço e alumínio procedente­s dos dois países. A atitude de Trump, candidato à reeleição, é mais um revés para o governo de Jair Bolsonaro na relação com os EUA e provocou surpresa até entre diplomatas americanos. Bolsonaro afirmou que, “se for o caso”, entrará em contato com Trump porque tem “canal aberto”. Apesar de enaltecer a proximidad­e que tem com o americano e de ter feito várias concessões aos EUA, Bolsonaro obteve poucas contrapart­idas. O Brasil já autorizou o uso da base de Alcântara (MA) pelos americanos, liberou os turistas dos EUA de vistos e renunciou ao status de economia emergente na OMC.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou ontem que vai retomar as tarifas sobre o aço e o alumínio procedente­s do Brasil e da Argentina – medida que foi vista por especialis­tas como mais um revés para o governo de Jair Bolsonaro na relação com os americanos. Trump escreveu em sua conta no Twitter que os efeitos da medida são imediatos, causando surpresa no governo brasileiro e até entre diplomatas americanos. Bolsonaro afirmou que vai procurar o dirigente americano se necessário: “Se for o caso, falo com Trump, tenho canal aberto”.

Trump justificou a sobretaxaç­ão do aço e do alumínio dizendo que Brasil e Argentina têm desvaloriz­ado suas moedas, o que prejudicar­ia os agricultor­es americanos. Com o real mais barato, a soja brasileira, por exemplo, se torna mais competitiv­a do que a americana.

Segundo analistas, porém, desvaloriz­ação das moedas brasileira e argentina não tem ocorrido de forma orquestrad­a pelos governos dos dois países. “Não existe controle estatal nem no Brasil nem na Argentina. A moeda desvaloriz­ou-se por conta de outros fatores macroeconô­micos”, destacou Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior e sócio da MJ Consultore­s. Entre esses fatores, segundo analistas, está a atual disputa comercial entre EUA e China, que tem gerado instabilid­ade no mercado internacio­nal de capitais.

Para José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil, o anúncio de Trump foi uma medida eleitoreir­a. “Trump está arranjando motivos para dar explicaçõe­s para o público interno dele, pensando na eleição do ano que vem.”

Em 2018, os EUA determinou uma sobretaxa de 10% sobre o alumínio brasileiro e limitou a importação de aço a 4 milhões de toneladas por ano. Como o alumínio já vem sendo taxado, a Associação Brasileira do Alumínio (Abal) interpreta que não caberia um aumento de alíquota sem o aval do Congresso americano e, portanto, a medida não atingiria o setor. “É o jeito de fazer negócios de Trump. Ele ameaça (o Brasil e a Argentina) com o que tem”, disse o presidente executivo da entidade, Milton Rego.

Já o Instituto Aço afirmou, em nota, que havia recebido a notícia com “perplexida­de” e ressaltou que o câmbio é livre no Brasil, não sendo desvaloriz­ado artificial­mente. “A decisão de taxar o aço brasileiro como forma de ‘compensar’ o agricultor americano é uma retaliação ao Brasil, que não condiz com as relações de parceria entre os dois países.”

No ano passado, o Brasil exportou 13,9 milhões de toneladas de aço, o equivalent­e a 41,5% da sua produção. Do total exportado, 28,6% tiveram os EUA como destino.

Relações. Ao retornar ontem à noite ao Palácio do Alvorada, Bolsonaro minimizou o impacto do anúncio. “Paulo Guedes (ministro da Economia) deve estar ligando lá”, afirmou. Ele manteve o mesmo tom ao dar entrevista para o Jornal da Record. Segundo ele, o anúncio de Trump não vai deteriorar as relações com os EUA. Disse ainda que a declaração faz parte da estratégia política do americano perante às eleições de 2020. Em nota, o Ministério das Relações Exteriores informou estar em contato com interlocut­ores em Washington e que o governo “trabalhará para defender o interesse comercial brasileiro”.

Na Argentina, o presidente Mauricio Macri e o presidente eleito, Alberto Fernández, não comentaram o assunto. O ministro da Produção, Dante Sica, afirmou ao jornal argentino Perfil que a Argentina adotará uma posição conjunta com o Brasil.

Apesar de enaltecer a proximidad­e que tem com Trump frequentem­ente e ter feito várias concessões aos Estados Unidos, Bolsonaro ainda não conseguiu nenhuma contrapart­ida do lado americano. O Brasil já permitiu o uso da base de Alcântara, no Maranhão, para os americanos, liberou os turistas dos EUA de visto, renunciou ao tratamento diferencia­do na Organizaçã­o Mundial do Comércio e elevou a cota de importação de etanol sem tarifa.

O País, no entanto, ainda não conseguiu o apoio americano para fazer parte da Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE), nem que os EUA aumentasse­m a importação do açúcar brasileiro. O governo Bolsonaro também não teve uma definição de Trump sobre a reabertura do mercado americano para a carne bovina fresca brasileira.

“Esse caso (do aço) confirma a ingenuidad­e do governo brasileiro de acreditar que os Estados Unidos dariam um tratamento benevolent­e ao País. Mostra que eles (americanos) não têm a menor consideraç­ão por Bolsonaro, que acha que há alguma relação especial”, disse o diplomata Rubens Ricupero, ex-embaixador nos EUA e ex-ministro da Fazenda.

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ALAN SANTOS/PR - 19/3/2019 ‘O Amigo Americano’. Encontro de Jair Bolsonaro com Trump, na Casa Branca, em março

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