Em revés para governo, Trump diz que vai taxar aço brasileiro
Americano acusa Brasil e Argentina de desvalorizar moedas e promete também aumentar tarifa sobre alumínio
O presidente dos EUA, Donald Trump, acusou Brasil e Argentina de promover uma “maciça desvalorização” de suas moedas e anunciou a retomada de sobretaxas sobre aço e alumínio procedentes dos dois países. A atitude de Trump, candidato à reeleição, é mais um revés para o governo de Jair Bolsonaro na relação com os EUA e provocou surpresa até entre diplomatas americanos. Bolsonaro afirmou que, “se for o caso”, entrará em contato com Trump porque tem “canal aberto”. Apesar de enaltecer a proximidade que tem com o americano e de ter feito várias concessões aos EUA, Bolsonaro obteve poucas contrapartidas. O Brasil já autorizou o uso da base de Alcântara (MA) pelos americanos, liberou os turistas dos EUA de vistos e renunciou ao status de economia emergente na OMC.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou ontem que vai retomar as tarifas sobre o aço e o alumínio procedentes do Brasil e da Argentina – medida que foi vista por especialistas como mais um revés para o governo de Jair Bolsonaro na relação com os americanos. Trump escreveu em sua conta no Twitter que os efeitos da medida são imediatos, causando surpresa no governo brasileiro e até entre diplomatas americanos. Bolsonaro afirmou que vai procurar o dirigente americano se necessário: “Se for o caso, falo com Trump, tenho canal aberto”.
Trump justificou a sobretaxação do aço e do alumínio dizendo que Brasil e Argentina têm desvalorizado suas moedas, o que prejudicaria os agricultores americanos. Com o real mais barato, a soja brasileira, por exemplo, se torna mais competitiva do que a americana.
Segundo analistas, porém, desvalorização das moedas brasileira e argentina não tem ocorrido de forma orquestrada pelos governos dos dois países. “Não existe controle estatal nem no Brasil nem na Argentina. A moeda desvalorizou-se por conta de outros fatores macroeconômicos”, destacou Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior e sócio da MJ Consultores. Entre esses fatores, segundo analistas, está a atual disputa comercial entre EUA e China, que tem gerado instabilidade no mercado internacional de capitais.
Para José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil, o anúncio de Trump foi uma medida eleitoreira. “Trump está arranjando motivos para dar explicações para o público interno dele, pensando na eleição do ano que vem.”
Em 2018, os EUA determinou uma sobretaxa de 10% sobre o alumínio brasileiro e limitou a importação de aço a 4 milhões de toneladas por ano. Como o alumínio já vem sendo taxado, a Associação Brasileira do Alumínio (Abal) interpreta que não caberia um aumento de alíquota sem o aval do Congresso americano e, portanto, a medida não atingiria o setor. “É o jeito de fazer negócios de Trump. Ele ameaça (o Brasil e a Argentina) com o que tem”, disse o presidente executivo da entidade, Milton Rego.
Já o Instituto Aço afirmou, em nota, que havia recebido a notícia com “perplexidade” e ressaltou que o câmbio é livre no Brasil, não sendo desvalorizado artificialmente. “A decisão de taxar o aço brasileiro como forma de ‘compensar’ o agricultor americano é uma retaliação ao Brasil, que não condiz com as relações de parceria entre os dois países.”
No ano passado, o Brasil exportou 13,9 milhões de toneladas de aço, o equivalente a 41,5% da sua produção. Do total exportado, 28,6% tiveram os EUA como destino.
Relações. Ao retornar ontem à noite ao Palácio do Alvorada, Bolsonaro minimizou o impacto do anúncio. “Paulo Guedes (ministro da Economia) deve estar ligando lá”, afirmou. Ele manteve o mesmo tom ao dar entrevista para o Jornal da Record. Segundo ele, o anúncio de Trump não vai deteriorar as relações com os EUA. Disse ainda que a declaração faz parte da estratégia política do americano perante às eleições de 2020. Em nota, o Ministério das Relações Exteriores informou estar em contato com interlocutores em Washington e que o governo “trabalhará para defender o interesse comercial brasileiro”.
Na Argentina, o presidente Mauricio Macri e o presidente eleito, Alberto Fernández, não comentaram o assunto. O ministro da Produção, Dante Sica, afirmou ao jornal argentino Perfil que a Argentina adotará uma posição conjunta com o Brasil.
Apesar de enaltecer a proximidade que tem com Trump frequentemente e ter feito várias concessões aos Estados Unidos, Bolsonaro ainda não conseguiu nenhuma contrapartida do lado americano. O Brasil já permitiu o uso da base de Alcântara, no Maranhão, para os americanos, liberou os turistas dos EUA de visto, renunciou ao tratamento diferenciado na Organização Mundial do Comércio e elevou a cota de importação de etanol sem tarifa.
O País, no entanto, ainda não conseguiu o apoio americano para fazer parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), nem que os EUA aumentassem a importação do açúcar brasileiro. O governo Bolsonaro também não teve uma definição de Trump sobre a reabertura do mercado americano para a carne bovina fresca brasileira.
“Esse caso (do aço) confirma a ingenuidade do governo brasileiro de acreditar que os Estados Unidos dariam um tratamento benevolente ao País. Mostra que eles (americanos) não têm a menor consideração por Bolsonaro, que acha que há alguma relação especial”, disse o diplomata Rubens Ricupero, ex-embaixador nos EUA e ex-ministro da Fazenda.