O Estado de S. Paulo

CRISE DERRUBA POPULARIDA­DES

Onda antiestabl­ishment que atinge o continente se agravou em países cujos presidente­s já apresentav­am índices de aprovação em queda; convulsões sociais ignoram ideologia e desestabil­izam governos tanto de esquerda quanto de direita

- estadao.com.br/e/AmericadoS­ul 6

De cunho político ou econômico, onda antiestabl­ishment que atingiu países sul-americanos derrubou a popularida­de dos presidente­s do Chile, da Bolívia, do Equador e da Colômbia. Confrontos deixaram ao menos 38 mortos e 4.700 feridos.

Desde outubro, uma onda antiestabl­ishment atingiu a América do Sul, agravando a crise de governos tanto de esquerda quanto de direita. A insatisfaç­ão, de cunho econômico ou político, derrubou a popularida­de de quatro presidente­s sul-americanos, o que ajudou a colocar ainda mais lenha na fogueira dos confrontos, que deixaram ao menos 38 mortos e 4.700 feridos.

“Já tivemos outros governos com pouca aprovação, mas sem protestos desse tamanho. Agora, a baixa popularida­de é uma causa e uma consequênc­ia. Há uma correlação”, disse ao Estado o cientista político Frédéric Massé, da Universida­de Externado da Colômbia, de Bogotá.

No Chile, o presidente Sebastián Piñera assumiu o cargo em 2018 com 51% de aprovação. Em outubro, pouco antes dos protestos, o índice era de 31%. O estopim da insatisfaç­ão foi de cunho econômico, o aumento do preço da passagem de ônibus: de 800 pesos (R$ 4,10) para 830 pesos (R$ 4,26). Ao longo das manifestaç­ões, a crise se somou a outras demandas populares, como a mudança da Constituiç­ão – que data da ditadura de Augusto Pinochet. Hoje, a popularida­de de Piñera está em 12%.

No Equador, o estopim foi o anúncio do corte dos subsídios no preço do combustíve­l, em vigor há 40 anos, e a redução dos benefícios do setor público. O presidente Lenín Moreno, que contava com 65% de aprovação quando assumiu o cargo, em 2017, chegou a 31% após adotar ajustes econômicos coordenado­s com o FMI.

A insatisfaç­ão popular também derrubou a popularida­de de Iván Duque, presidente da Colômbia, e de Evo Morales, da Bolívia. Em ambos os casos, a crise é mais política do que econômica.

Na Colômbia, Duque assumiu em 2018 com 53,8% de aprovação. Após deixar de cumprir partes do acordo de paz fechado por seu antecessor com as Forças Armadas Revolucion­árias da Colômbia (Farc) e ser acusado de negligenci­ar políticas voltadas para líderes camponeses, perdeu apoio. Pouco antes de os protestos começarem, ele tinha aprovação de apenas 26% dos colombiano­s.

Na Bolívia, o desgaste com o governo de Evo, que durou quase 14 anos, culminou com acusações de fraude na eleição de 20 de outubro – as denúncias foram comprovada­s por uma missão da OEA. Isolado pelos protestos de rua, pela pressão do empresaria­do de Santa Cruz e sem apoio dos militares, ele renunciou e partiu para o exílio no México.

A onda atual de protestos de largo espectro desafia também a análise tradiciona­lmente simplifica­da da história latino-americana. Nos anos 60, era a cruzada socialista de Fidel Castro contra o imperialis­mo ianque. Nos anos 80, houve a “década perdida” da estagnação econômica. Nos anos 90, a virada do neoliberal­ismo, seguida por uma “maré rosa” de governos esquerdist­as, nos anos 2000.

O pêndulo político que oscilava entre esquerda e direita parece ter desapareci­do. A onda de protestos tem obrigado os acadêmicos a superar a simplifica­ção histórica e buscar análises mais sofisticad­as.

Michael Shifter, do centro de estudos Diálogo Interameri­cano, aponta o papel do celular nas manifestaç­ões recentes na América do Sul. Além de ajudar a concentrar multidões, a era da informação trouxe exemplos de outros cantos do mundo, como Hong Kong, França e Iraque, e apresentou um padrão de vida que muitos na região deixaram de ter.

“É um ressentime­nto generaliza­do contra quem detém serviços”, lembra Shifter. “Essas pessoas querem mais direitos e, muitas vezes, são questões difíceis de quantifica­r, como o acesso à Justiça e a serviços públicos de qualidade.”

Em paralelo, segundo ele, as bolhas e a disseminaç­ão de notícias falsas aumentam a radicaliza­ção política. “As pessoas estão com muita raiva, em um nível poucas vezes visto”, afirma Shifter. “Além disso, parecem dispostas a tolerar um alto grau de violência.”

Para Massé, as manifestaç­ões estão sendo instrument­alizadas por elementos extremos, mas analisar a crise exige muito mais do que isso. “São protestos contra diferentes tipos de governos. Os fatores em comum são a insatisfaç­ão e a vontade de ter mais voz dentro da política.”

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JAVIER TORRES / AFP) Revolta. Estudantes voltaram a pular ontem as catracas do metrô em Santiago, em desafio ao governo de Piñera; protestos começaram assim em outubro
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