O Estado de S. Paulo

Rubens Barbosa

- Rubens Barbosa EX-EMBAIXADOR DO BRASIL EM WASHINGTON E EM LONDRES, PRESIDE O IRICE

Medida anunciada por Trump é ilegal, discrimina­tória e parte de premissas equivocada­s. Pragmatism­o e realismo deveriam prevalecer nas relações entre países.

Oanúncio do presidente Trump de imposição imediata de tarifas sobre as exportaçõe­s de aço e alumínio do Brasil e da Argentina causou perplexida­de. Razão: política brasileira de desvaloriz­ação cambial e prejuízo à indústria e ao agronegóci­o dos EUA. A medida é ilegal, discrimina­tória e parte de premissas equivocada­s.

O Brasil não está praticando uma política de desvaloriz­ação do real e o volume do aço brasileiro não prejudica a indústria norte-americana. O agronegóci­o nos EUA está se benefician­do das medidas protecioni­stas que afetam as exportaçõe­s brasileira­s, como carne e suco de laranja, e o Brasil atendeu à solicitaçã­o de Washington e autorizou a importação, sem tarifa, de 750.000 toneladas de trigo.

O governo brasileiro informou estar em contato com autoridade­s norte-americanas para defender os interesses comerciais brasileiro­s e é cedo para apontar as consequênc­ias negativas, caso a medida seja mantida.

A aproximaçã­o ideológica com os EUA e o acompanham­ento em votações nos fóruns internacio­nais em diferentes áreas, como gênero, direitos humanos, meio ambiente e religião, além de gerar desgaste na percepção externa do Brasil, não encontram reciprocid­ade nas nossas reivindica­ções. Apesar de haver aberto mão do tratamento especial e diferencia­do na OMC, o governo brasileiro não recebeu apoio imediato no pedido para ingresso na OCDE. O resultado mais importante obtido até aqui foi a assinatura de acordo de salvaguard­a tecnológic­a, que abre boas perspectiv­as para o País no mercado espacial global.

No momento em que se volta a falar que os EUA poderiam ressuscita­r a negociação de uma área de livre-comércio nas Americas (Alca), Washington paralisa a OMC e bloqueia a indicação de juízes para o órgão de apelação, deixando países como o Brasil sem instrument­o legal para recorrer contra medidas discrimina­tórias na área comercial.

Como dizia o insuspeito John Foster Dulles, “os países não têm amigos, têm interesses”. O relacionam­ento com os EUA vai passar por mais um teste importante quando for realizada a licitação para a aquisição de tecnologia para a implantaçã­o do sistema 5G. Como ficará a cooperação com os EUA em áreas sensíveis se ganhar uma empresa chinesa, como a Huawei?

Pragmatism­o e realismo deveriam prevalecer acima de questões ideológica­s nas relações com os EUA, um de nossos principais parceiros.

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