O Estado de S. Paulo

A farra das notas fiscais

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OEstado apurou que 20 dos 53 deputados federais da bancada do PSL, ex-partido do presidente Jair Bolsonaro, requereram à Câmara dos Deputados o ressarcime­nto de R$ 730 mil por serviços prestados por firmas que não existem nos endereços informados nas notas fiscais. Ou seja, tudo indica que foram apresentad­as notas frias para justificar o uso de dinheiro público sabe-se lá onde e com que finalidade.

Cada um dos 513 deputados têm à disposição uma verba mensal que varia entre R$ 39 mil e R$ 44 mil, a depender do Estado pelo qual o deputado foi eleito. A chamada Cota para o Exercício da Atividade Parlamenta­r (Ceap) destina-se, como o nome indica, ao custeio dos gastos de gabinete inerentes à atividade parlamenta­r, entre os quais passagens aéreas, serviços postais, manutenção de escritório­s de apoio, locação de veículos, contrataçã­o de consultore­s técnicos.

Evidenteme­nte, há irregulari­dades na utilização da chamada verba indenizató­ria em quase todas as legendas com representa­ção na Casa. No entanto, o que particular­iza o caso do ex-nanico PSL é o fato de o partido ter saltado de 1 deputado federal eleito em 2014 para 53 em 2018, tornando-se uma das três maiores bancadas da Câmara, adotando o desgastado discurso da “nova política”, que, grosso modo, significa a negação de práticas imorais e patrimonia­listas que durante anos abalaram a confiança dos brasileiro­s no Poder Legislativ­o. Pelo que se vê, a tal “nova política” ainda não deu o ar da graça, mas as velhas práticas seguem a todo vapor.

A apuração do Estado revelou casos escandalos­os no uso da cota parlamenta­r, mas uns conseguem ser ainda mais escandalos­os do que outros. O presidente da Comissão de Constituiç­ão e Justiça (CCJ) da Câmara, deputado Felipe Francischi­ni (PSL-PR), apresentou notas no valor total de R$ 80 mil emitidas por um advogado que, segundo a assessoria do parlamenta­r, “atua para a família Francischi­ni há mais de seis anos”. O deputado diz que o pagamento ao advogado é feito com recursos da Ceap porque o advogado o “auxilia na atuação à frente da CCJ”. A proximidad­e do profission­al com os assuntos particular­es da família Francischi­ni torna justo o receio de que público e privado possam se misturar à custa do contribuin­te.

Desde fevereiro, quando teve início a atual legislatur­a, 19 escritório­s de advocacia foram contratado­s por deputados do PSL com verbas da cota parlamenta­r. Destes, 11 são escritório­s de advogados que atuam ou já atuaram em causas privadas dos parlamenta­res. Estes alegam que, quando se trata de questões que não envolvem o exercício do mandato, pagam os advogados com recursos próprios.

Outra destinação bastante nebulosa para os recursos da cota parlamenta­r são as gráficas. Os deputados Julian Lemos (PSL-PB) e Heitor Freire (PSL-CE) pediram o ressarcime­nto de R$ 97 mil pela impressão de panfletos e 70 mil informativ­os com um balanço de seus primeiros meses de mandato. No endereço que consta na nota fiscal emitida por uma empresa em Riacho Fundo (DF), onde o serviço teria sido prestado para os gabinetes de ambos os parlamenta­res, não há uma gráfica, mas um lava a jato.

O deputado Professor Joziel (PSL-RJ), que contratou por R$ 41 mil uma gráfica que não existe no endereço informado na nota fiscal – há um salão de beleza no local – tem um jeito bastante peculiar de aliviar sua consciênci­a. “Gerou nota? Foi aprovado pela Câmara? Se isso aconteceu, a gente não tem preocupaçã­o de ir lá in loco (checar se a empresa existe)”, disse ao Estado. O deputado deveria saber que, de fato, não se espera que ele se ponha em diligência­s. Mas a responsabi­lidade final sobre a veracidade – e moralidade – dos gastos de seu gabinete é apenas dele.

A farra das notas fiscais frias para justificar o uso da cota parlamenta­r diz muito sobre a índole de quem as apresenta. Mas diz igualmente sobre os frouxos mecanismos da Câmara para fiscalizar o uso de vultosos recursos públicos. Se assim não é por compadrio, é por incompetên­cia.

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