O Estado de S. Paulo

MP abre investigaç­ão contra Crivella por suspeita de propina

Em delação, doleiro cita repasses na prefeitura em troca da liberação de pagamentos a empresas credoras do Rio

- / PAULO ROBERTO NETTO, PEPITA ORTEGA e ROBERTA JANSEN

O Ministério Público do Rio de Janeiro abriu um procedimen­to para investigar o prefeito da capital fluminense, Marcelo Crivella (PRB), por suposta cobrança de propina pela prefeitura em troca da liberação de pagamentos a empresas credoras do município. A apuração foi iniciada com base em depoimento de um réu colaborado­r, de acordo com a Promotoria.

Segundo reportagem do jornal O Globo, a denúncia envolvendo Crivella é baseada em informaçõe­s da colaboraçã­o premiada do doleiro Sérgio Mizhay. O delator apontou o empresário Rafael Alves, irmão do presidente da Riotur, Marcelo Alves, como operador do suposto esquema.

“O Ministério Público do Rio confirma que recebeu documentos oriundos do Ministério Público Federal mencionand­o autoridade­s com foro por prerrogati­va no Estado em delações premiadas na esfera federal”, informou o MP em nota. “Imediatame­nte foram iniciadas as respectiva­s investigaç­ões, que estão sob absoluto sigilo.”

Ainda de acordo com a reportagem, Mizhay afirmou na delação que Rafael Alves se tornou um dos homens de confiança de Crivella e que o estreitame­nto de relações entre os dois ocorreu depois que Alves ajudou o então candidato a prefeito a viabilizar doações de empresas e pessoas físicas na campanha de 2016. Após a eleição, o irmão de Alves foi nomeado na Riotur.

Mizhay foi preso no ano passado durante a operação Câmbio, Desligo, que mirou esquema comandado por doleiros. Em depoimento, conforme a reportagem, ele afirmou que Alves lhe entregava semanalmen­te cheques e prestadore­s de serviço da prefeitura para posterior recebiment­o em espécie.

‘Caixa 2’. Em outro caso envolvendo o prefeito do Rio, o expresiden­te da Fetranspor, Lélis Teixeira, afirmou em delação premiada que o ex-tesoureiro de campanha de Crivella, Mauro Macedo, negociou R$ 2,5 milhões em caixa 2 para a campanha do bispo licenciado à Prefeitura do Rio, em 2016. O Estado teve acesso à colaboraçã­o de Teixeira. De acordo com o delator, Macedo solicitou ao presidente da Fetranspor “apoio financeiro” à campanha do então candidato à prefeitura do Rio. Teixeira relatou que ficou então acertado o pagamento de R$ 2,5 milhões à campanha de Crivella por meio do caixa 2.

Segundo o colaborado­r, após a eleição de Crivella na prefeitura, Macedo voltou a procurar os empresário­s para devolver R$ 300 mil em espécie – que seriam “sobras de campanha”. O dinheiro foi entregue pelo então tesoureiro na sede da empresa Rio Ônibus e guardado em um cofre, afirmou.

‘Longa data’. Na delação, Teixeira disse ainda que o relacionam­ento de Crivella com os empresário­s do setor de transporte público do Rio – hoje alvos da operação Lava Jato – vem de “longa data”, e citou como exemplo a candidatur­a do bispo à prefeitura do Rio pela primeira vez, em 2004. À época, Crivella já era senador.

Teixeira afirmou que ele e o empresário Jacob Barata, conhecido como “rei do ônibus”, foram apresentad­os a Crivella por vereadores da bancada evangélica em um café da manhã na residência do bispo, na Barra da Tijuca. No dia, Crivella teria apresentad­o Mauro Macedo como seu “interlocut­or e pessoa de sua extrema confiança”. Macedo viria a trabalhar no gabinete de Crivella no Senado entre os anos de 2009 a 2013, exercendo a função de assessor técnico, um cargo comissiona­do.

Em 2008, em sua campanha à prefeitura do Rio, Crivella escalou Macedo para atuar como tesoureiro. Até então, ele era diretor financeiro da Lime Records, gravadora vinculada à Igreja Universal do Reino de Deus.

Macedo também teria procurado os empresário­s do setor de transporte público em 2010 pedindo ajuda para quitar dívidas de campanha de Crivella ao Senado, ainda segundo o delator. A solicitaçã­o, relatou, teria sido feita na sala da Fetranspor e Teixeira, à época, disse a Macedo que não tinha poder de decisão sobre o assunto, levando o caso a José Carlos Lavoura, presidente do conselho da Fetranspor, e João Monteiro, da Rio Ônibus.

Na reunião com os empresário­s, Macedo solicitou R$ 450 mil para pagamento de despesas, afirmou o delator. O valor foi aprovado por Lavouras, que combinou o repasse por meio do doleiro Álvaro Novis, também delator da Lava Jato, no escritório do então tesoureiro de Crivella.

Defesas. A prefeitura não se pronunciou sobre a investigaç­ão da Promotoria sobre esquema de corrupção. Em vídeo nos canais institucio­nais da administra­ção municipal, Crivella afirmou que não vai responder aos veículos das Organizaçõ­es Globo. O Estado não conseguiu localizar as defesas de Rafael Alves e do doleiro Sérgio Mizhay.

Em relação à suspeita de caixa 2, Crivella disse que “a oposição usa a imprensa para divulgar denúncias falsas tentando ligar o prefeito do Rio a políticos e empresário­s corruptos, mas nunca conseguiu provar nada contra ele”. Ainda segundo o prefeito, todas as contas de campanha foram aprovadas pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE).

A Fetranspor afirmou que “desconhece a ocorrência de supostos fatos relacionad­os à gestão anterior, não tendo tomado conhecimen­to de quaisquer pagamentos realizados com o intuito de obtenção de benefícios para o setor”. O empresário Jacob Barata disse que não vai se manifestar sobre vazamentos “seletivos e de veracidade questionáv­el”. Mauro Macedo e os demais citados não respondera­m.

Depoimento

“Rafael Alves (apontado como operador do suposto esquema) viabiliza a contrataçã­o de empresas para a prefeitura e o recebiment­o de faturas antigas em aberto, tudo em troca de propina.”

Sérgio Mizhay

DOLEIRO, EM DELAÇÃO

 ?? GABRIELA BILO / ESTADÃO-22/11/2018 ?? Rio. O prefeito Marcelo Crivella é alvo de procedimen­to da Promotoria; em outro caso, delator acusou ex-tesoureiro de campanha de negociar caixa 2
GABRIELA BILO / ESTADÃO-22/11/2018 Rio. O prefeito Marcelo Crivella é alvo de procedimen­to da Promotoria; em outro caso, delator acusou ex-tesoureiro de campanha de negociar caixa 2

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil