MP abre investigação contra Crivella por suspeita de propina
Em delação, doleiro cita repasses na prefeitura em troca da liberação de pagamentos a empresas credoras do Rio
O Ministério Público do Rio de Janeiro abriu um procedimento para investigar o prefeito da capital fluminense, Marcelo Crivella (PRB), por suposta cobrança de propina pela prefeitura em troca da liberação de pagamentos a empresas credoras do município. A apuração foi iniciada com base em depoimento de um réu colaborador, de acordo com a Promotoria.
Segundo reportagem do jornal O Globo, a denúncia envolvendo Crivella é baseada em informações da colaboração premiada do doleiro Sérgio Mizhay. O delator apontou o empresário Rafael Alves, irmão do presidente da Riotur, Marcelo Alves, como operador do suposto esquema.
“O Ministério Público do Rio confirma que recebeu documentos oriundos do Ministério Público Federal mencionando autoridades com foro por prerrogativa no Estado em delações premiadas na esfera federal”, informou o MP em nota. “Imediatamente foram iniciadas as respectivas investigações, que estão sob absoluto sigilo.”
Ainda de acordo com a reportagem, Mizhay afirmou na delação que Rafael Alves se tornou um dos homens de confiança de Crivella e que o estreitamento de relações entre os dois ocorreu depois que Alves ajudou o então candidato a prefeito a viabilizar doações de empresas e pessoas físicas na campanha de 2016. Após a eleição, o irmão de Alves foi nomeado na Riotur.
Mizhay foi preso no ano passado durante a operação Câmbio, Desligo, que mirou esquema comandado por doleiros. Em depoimento, conforme a reportagem, ele afirmou que Alves lhe entregava semanalmente cheques e prestadores de serviço da prefeitura para posterior recebimento em espécie.
‘Caixa 2’. Em outro caso envolvendo o prefeito do Rio, o expresidente da Fetranspor, Lélis Teixeira, afirmou em delação premiada que o ex-tesoureiro de campanha de Crivella, Mauro Macedo, negociou R$ 2,5 milhões em caixa 2 para a campanha do bispo licenciado à Prefeitura do Rio, em 2016. O Estado teve acesso à colaboração de Teixeira. De acordo com o delator, Macedo solicitou ao presidente da Fetranspor “apoio financeiro” à campanha do então candidato à prefeitura do Rio. Teixeira relatou que ficou então acertado o pagamento de R$ 2,5 milhões à campanha de Crivella por meio do caixa 2.
Segundo o colaborador, após a eleição de Crivella na prefeitura, Macedo voltou a procurar os empresários para devolver R$ 300 mil em espécie – que seriam “sobras de campanha”. O dinheiro foi entregue pelo então tesoureiro na sede da empresa Rio Ônibus e guardado em um cofre, afirmou.
‘Longa data’. Na delação, Teixeira disse ainda que o relacionamento de Crivella com os empresários do setor de transporte público do Rio – hoje alvos da operação Lava Jato – vem de “longa data”, e citou como exemplo a candidatura do bispo à prefeitura do Rio pela primeira vez, em 2004. À época, Crivella já era senador.
Teixeira afirmou que ele e o empresário Jacob Barata, conhecido como “rei do ônibus”, foram apresentados a Crivella por vereadores da bancada evangélica em um café da manhã na residência do bispo, na Barra da Tijuca. No dia, Crivella teria apresentado Mauro Macedo como seu “interlocutor e pessoa de sua extrema confiança”. Macedo viria a trabalhar no gabinete de Crivella no Senado entre os anos de 2009 a 2013, exercendo a função de assessor técnico, um cargo comissionado.
Em 2008, em sua campanha à prefeitura do Rio, Crivella escalou Macedo para atuar como tesoureiro. Até então, ele era diretor financeiro da Lime Records, gravadora vinculada à Igreja Universal do Reino de Deus.
Macedo também teria procurado os empresários do setor de transporte público em 2010 pedindo ajuda para quitar dívidas de campanha de Crivella ao Senado, ainda segundo o delator. A solicitação, relatou, teria sido feita na sala da Fetranspor e Teixeira, à época, disse a Macedo que não tinha poder de decisão sobre o assunto, levando o caso a José Carlos Lavoura, presidente do conselho da Fetranspor, e João Monteiro, da Rio Ônibus.
Na reunião com os empresários, Macedo solicitou R$ 450 mil para pagamento de despesas, afirmou o delator. O valor foi aprovado por Lavouras, que combinou o repasse por meio do doleiro Álvaro Novis, também delator da Lava Jato, no escritório do então tesoureiro de Crivella.
Defesas. A prefeitura não se pronunciou sobre a investigação da Promotoria sobre esquema de corrupção. Em vídeo nos canais institucionais da administração municipal, Crivella afirmou que não vai responder aos veículos das Organizações Globo. O Estado não conseguiu localizar as defesas de Rafael Alves e do doleiro Sérgio Mizhay.
Em relação à suspeita de caixa 2, Crivella disse que “a oposição usa a imprensa para divulgar denúncias falsas tentando ligar o prefeito do Rio a políticos e empresários corruptos, mas nunca conseguiu provar nada contra ele”. Ainda segundo o prefeito, todas as contas de campanha foram aprovadas pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE).
A Fetranspor afirmou que “desconhece a ocorrência de supostos fatos relacionados à gestão anterior, não tendo tomado conhecimento de quaisquer pagamentos realizados com o intuito de obtenção de benefícios para o setor”. O empresário Jacob Barata disse que não vai se manifestar sobre vazamentos “seletivos e de veracidade questionável”. Mauro Macedo e os demais citados não responderam.
Depoimento
“Rafael Alves (apontado como operador do suposto esquema) viabiliza a contratação de empresas para a prefeitura e o recebimento de faturas antigas em aberto, tudo em troca de propina.”
Sérgio Mizhay
DOLEIRO, EM DELAÇÃO