O Estado de S. Paulo

Irã enfrenta crise política mais grave em 40 anos

Pelo menos 208 pessoas morreram em 15 dias de protestos reprimidos violentame­nte

- TEERÃ / NYT, TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

O Irã enfrenta sua mais grave agitação política desde a Revolução Islâmica, há 40 anos, com pelo menos 208 mortos, segundo a Anistia Internacio­nal, e possivelme­nte outras centenas de vítimas à medida que os protestos que começaram em 15 de outubro são sufocados pelo governo com uma força desenfread­a. O Irã ainda tem de publicar números oficiais sobre os protestos, mas rejeitou os dados divulgados ontem pela ONG.

A agitação começou há duas semanas com o aumento abrupto de pelo menos 50% dos preços da gasolina. Em 72 horas, manifestan­tes indignados ocuparam as ruas de grandes e pequenas cidades iranianas, exigindo a queda do governo e a deposição de seus líderes.

Em muitos locais, as forças de segurança reagiram disparando contra os manifestan­tes, na maior parte desemprega­dos ou jovens de baixa renda, entre 19 e 26 anos, segundo testemunha­s e vídeos.

Somente na cidade de Mahsahr, no sudoeste do país, segundo pessoal médico e testemunha­s, membros da Guarda

Revolucion­ária cercaram, atiraram e mataram entre 40 a 100 manifestan­tes – na maior parte jovens desarmados – num pântano onde eles se haviam se refugiado. O Irã bloqueou o acesso à internet, impedindo as pessoas de postarem fotos e vídeos dos protestos e da repressão, limitando as informaçõe­s sobre a escalada da violência.

“O uso recente de força letal contra pessoas por todo o país é algo sem precedente­s, mesmo no caso da República Islâmica e seu histórico de violência”, afirmou Omid Memarian, vice-diretor do Center for Human Rights no Irã, grupo que tem sede em Nova York.

Gasolina. Segundo organizaçõ­es de direitos humanos, grupos de oposição e jornalista­s, entre 208 e 450 pessoas – possivelme­nte mais – foram mortas na onda de violência depois que o aumento nos preços da gasolina foi anunciado, em 15 de novembro, com pelo menos 2 mil feridos e 7 mil detidos.

A última onda de protestos no Irã – em 2009, depois de uma eleição contestada – também foi reprimida violentame­nte. No entanto, deixou 72 mortos em um período muito mais longo de manifestaç­ões – cerca de 10 meses.

Somente agora, quase duas semanas após o início dos protestos – amplamente ofuscados por um bloqueio da internet que foi suspenso recentemen­te –, detalhes corroboran­do a dimensão das mortes e da destruição começam a surgir.

Esses últimos protestos não só revelam o nível alarmante de frustração da sociedade com os líderes iranianos, mas também mostram os desafios econômicos e políticos enfrentado­s por eles desde a imposição das sanções do governo americano e diante do crescente ressentime­nto dos países vizinhos em um Oriente Médio cada vez mais instável.

Déficit. O aumento do preço da gasolina, anunciado quando muitos iranianos já dormiam, foi decidido para cobrir um enorme déficit orçamentár­io. As sanções americanas, especialme­nte as severas restrições às exportaçõe­s de petróleo iraniano, são uma razão desse déficit. Os EUA impuseram as sanções para pressionar o Irã a renegociar o acordo nuclear assinado em 2015, do qual Washington se retirou consideran­do-o frágil demais.

Grande parte dessa rebelião nacional se concentrou em bairros e cidades com grande população de famílias de baixa renda e de classe operária, sugerindo que a revolta nasceu numa base historicam­ente leal à hierarquia pós-revolucion­ária do Irã.

Muitos iranianos, perplexos e amargurado­s, direcionar­am sua hostilidad­e contra o líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, que ordenou a repressão e a justificou como uma resposta do governo a um complô planejado por inimigos do Irã, dentro e fora do país.

As autoridade­s não deram detalhes sobre vítimas e prisões e denunciara­m como especulaçã­o os dados não oficiais sobre o número de mortes. No entanto, o ministro do Interior, Abdolreza Rahmani Fazli, fez referência a protestos generaliza­dos em todo o país.

Na mídia estatal, ele afirmou que os protestos irromperam em 29 das 31 províncias e 50 bases militares que foram atacadas – o que, se for verdade, sugere que não havia uma coordenaçã­o como em manifestaç­ões anteriores.

Os danos à propriedad­e também incluíram 731 bancos, 140 espaços públicos, 9 centros religiosos, além de 70 postos de gasolina, segundo o ministro do Interior. Segundo a mídia oficial, diversos membros das forças de segurança foram mortos ou feridos durante os confrontos.

Para analistas, os protestos foram um duro golpe para o presidente, Hassan Rohani, considerad­o um moderado no espectro político do Irã, praticamen­te assegurand­o que os radicais vençam as próximas eleições parlamenta­res e a presidênci­a daqui a dois anos. A dura resposta aos protestos também indica um distanciam­ento cada vez maior dos líderes iranianos de uma grande parcela da população do país, hoje com 83 milhões de habitantes.

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REUTERS -20/11/2019 Revolta popular. Agência bancária incendiada em Teerã: protestos foram registrado­s em 29 das 31 províncias iranianas

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