O Estado de S. Paulo

Oito comentário­s sobre os 8%

- ECONOMISTA. E-MAIL: ROBERTOTRO­STER@UOL.COM.BR ROBERTO LUIS

Em primeiro lugar, a preocupaçã­o do governo com o custo do crédito é meritória. Atualmente, o Brasil atravessa uma crise de inadimplên­cia: 5.800.257 empresas e 63.427.939 cidadãos têm anotações de atraso. Consequent­emente, estão com dificuldad­es e impossibil­itados de contratar bens e serviços. Uma ação para reverter este quadro foi o tabelament­o dos juros do cheque especial e a adição de uma nova tarifa bancária.

Segundo, tabelament­os sempre fizeram parte da regulação bancária no Brasil. A remuneraçã­o da caderneta de poupança é fixada há mais de um século. Todas as linhas de créditos direcionad­os e do consignado de servidores públicos e do INSS perfazem 53,9% do total e são tabeladas. Para corrigir distorções, são instituída­s cada vez mais distorções.

Terceiro, análises dinâmicas, não estáticas, mostram que em determinad­as circunstân­cias um tabelament­o de juros pode representa­r um aumento do lucro dos bancos. Isso depende do efeito na atividade econômica, da elasticida­de-juros da demanda de financiame­ntos, das externalid­ades e da redução da inadimplên­cia. A eficiência dos mercados em geral – e do financeiro, especifica­mente – depende de medidas para evitar equilíbrio­s perversos, em que todos perdem. Protegem-se os banqueiros dos banqueiros, assim como os pescadores dos pescadores ao proibir pesca na época da desova.

Quarto, falta transparên­cia à Resolução n.º 4.765, que limita os juros cobrados sobre o valor utilizado em 8% ao mês. Essa taxa anualizada correspond­e a 151,8% ao ano, que com IOF para 30 dias sobe para 171,5% ao ano. Se o prazo for menor, como o IOF tem uma parcela fixa, sobe mais ainda. Em 20 dias, para 177,8%; em 10 dias, para 197,5%; e, se for por um dia, para 921,4% ao ano. Fica a dúvida se o banco tem de reduzir a taxa cobrada para que fique no limite da norma ou não. A regulação também não explicita se a taxa é para dias úteis ou dias corridos. A inclusão de uma tarifa para compor a taxa aumenta ainda mais a opacidade da intermedia­ção.

Quinto, numa operação de dez dias, se o cliente cobrir o saldo negativo, o governo fica com 51,4% do pagamento e o banco com os 48,6% restantes, além de arcar com todos os custos operaciona­is e financeiro­s. Alguns desses custos são ocasionado­s pelo governo, como os depósitos compulsóri­os e as despesas causadas por normas contraprod­ucentes. Se o cliente ficar inadimplen­te, o banco tem de recolher o IOF e assumir o prejuízo e todos os demais custos.

Sexto, tabelament­os de juros fazem parte da literatura econômica desde sua origem. Adam Smith, considerad­o por muitos o “pai” do liberalism­o econômico, defendeu o tabelament­o de juros (Livro II, capítulo 2). Mais de 70 países colocam um limite aos juros cobrados, todos com taxas inferiores a 8% ao mês. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou juros abusivos quando forem excessivos em relação à taxa média de mercado, que de acordo com o Banco Central do Brasil é de 30,1% ao ano para pessoa física. Há instituiçõ­es cobrando 10, 20 e até 30 vezes este valor, e nada. É uma esculhamba­ção, não é a única. Principal problema dos juros altos não é a ganância dos bancos, nem a concentraç­ão bancária, nem os custos

Sétimo, se o tabelament­o não for para todas as linhas de crédito, é razoável antecipar que haverá uma migração para outras linhas mais caras, que deverão ser mais oferecidas que o cheque especial. Desta forma, o efeito da resolução em análise será pífio. Ocorrerá algo parecido com o que aconteceu com o cartão de crédito, em que os volumes e as taxas do parcelado aumentaram após as restrições ao rotativo.

Por último, por incrível que pareça, mais transparên­cia para o tomador de crédito e uma tributação mais eficiente, destacadas acima, e outras medidas, como regras de precificaç­ão e classifica­ção de operações, não aparecem nas agendas para baixar os juros. Em outras palavras, o problema principal dos juros altos não é a ganância dos bancos, nem a concentraç­ão bancária, nem os custos. É o faz de conta de mudar sem mudar nada. Com uma agenda transforma­dora, bancos lucrariam mais e o Brasil, mais ainda.

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