O Estado de S. Paulo

Democracia e justiça social

- ANA CARLA ABRÃO E-MAIL: ANAAC@UOL.COM.BR ESCREVE ÀS TERÇAS-FEIRAS

Há dois temas que deveriam ser capazes de unir os extremos políticos de um país como o Brasil: o combate às desigualda­des sociais e a defesa da democracia. Afinal, são esses os alicerces para que justiça social e garantia das liberdades e direitos individuai­s estejam sempre protegidos. Mas nem esses, que são conceitos universais, têm gerado a convergênc­ia necessária para o nosso avanço.

Justiça social não combina com defesa de grupos específico­s de interesse e não conversa com a proteção de privilégio­s – nem à direita nem à esquerda. E se houve algo a que o nosso País se acostumou ao longo dos últimos anos foi com uma perversa combinação de clientelis­mo e patrimonia­lismo, extraindo o pior do que um Estado pode ser para os seus cidadãos. Essa combinação gerou um Estado ineficient­e, pouco efetivo e que reforça as diferenças econômicas e sociais e coloca a população refém do próprio governo. Nesse contexto, as forças políticas tendem a ceder às pressões de alguns grupos e a defender políticas públicas e práticas que pouco fazem pelo interesse geral, mas muito agradam a alguns poucos privilegia­dos. Reformas estruturai­s são relegadas e condenam o País a um cresciment­o medíocre. Mas garantem-se votos para as próximas eleições, reforçando o mesmo ciclo.

Os exemplos por aqui são fartos: somos um país que tributa de forma regressiva, que ao longo dos anos protegeu as grandes empresas em detrimento das menores e garantiu proteção às camadas de renda mais elevada. Resistimos a privatizar empresas ineficient­es para proteger o emprego – e a influência pouco republican­a – de alguns à custa de todos. Resistimos até há pouco aos avanços de um marco regulatóri­o que fomente o investimen­to privado em saneamento deixando metade da população sem acesso acoleta de esgoto, mas mantendo amão forte( e grande) do Estado no controle de empresas ineficient­es. Mantemos contratos de mobilidade urbana por décadas, sacrifican­do a população que chacoalha todos os dias cruzando os grandes centros urbanos e abrindo mão de avanços tecnológic­os e maior comodidade paranã o desagradar­a grupos empresaria­is e políticos. Fazemos política habitacion­al de costas para a população sem teto, que quer mor arno centro e não nas franjas, onde não há infraestru­tura, nem lazere tampouco transporte fácil e decente em nome de políticas públicas pouco eficazes. Isso tudo precisa mudar e as reformas são o único caminho.

A agenda é ampla, as necessidad­es são básicas eé clara a urgência. Mas apesar de tantos exemplos da ineficiênc­ia e de captura do Estado brasileiro, parecemos incapazes de perseguir uma agenda objetiva em que o todo se sobrepõe ao particular e o interesse público supera o jogo político de curto prazo. A reforma da Previdênci­a parecia ser um divisor de águas, subvertend­o essa lógica com os ouvidos e olhos voltados para a sociedade e abrindo espaço para que outras reformas avançassem num Congresso hoje ávido por novos projetos e exemplarme­nte reformista.

Cabe ao Executivo, portanto, aproveitar o momento e propor a pauta. Mas o presidente demonstra, um tanto cedo demais, ter se cansado de reformas. Se por um lado os governos petistas passaram mais de uma década distribuin­do benesses particular­es – de forma mais ou menos republican­as –, o presidente Bolsonaro, orgulhoso representa­nte da direita, hoje vacila em avançar nas correções. Ao não pautar temas da relevância da reforma administra­tiva ou de um programa de privatizaç­ões mais agressivo que, sabemos, vão ao encontro de um Estado melhor e mais efetivo, ele atrasa a urgente construção de um país mais justo. Fugir do aparelhame­nto da esquerda e cair num imobilismo de direita nos levará, paradoxalm­ente, aos mesmos resultados e nos manterá igualmente atrasados.

No campo da democracia a questão é igualmente complexa. Aqui também, não há como convergir nos resultados se não conseguirm­os convergir nos conceitos. Democracia é o poder do povo de exercer sua soberania. Não combina com opressão política, nem com perseguiçõ­es nem tampouco com minorias oprimidas sob regimes autoritári­os e sectários, em que a população se vê alijada de direitos e de liberdade, seja à esquerda ou à direita.

A preservaçã­o da nossa jovem democracia está na base do nosso desenvolvi­mento como nação e na proteção dos direitos individuai­s. Inegociáve­l, ela deveria também servir a nos unir e não a nos separar. Defender o Brasil não significa vestir vermelho, verde, amarelo ou preto. Defender o Brasil significa garantir que as conquistas democrátic­as estão acima das diferenças e só a partir delas iremos avançar na direção de maior justiça social.

ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORI­A OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAM­ENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

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