O Estado de S. Paulo

Coleção de Pedro Corrêa do Lago

Catálogo traz raridades que também serão expostas em SP

- Ubiratan Brasil

Em 1970, um jovem de 12 anos, filho de diplomata e então vivendo na Bélgica, decidiu iniciar uma coleção inusual: pegou um catálogo do pai do Quem É

Quem em busca de nomes de pessoas notáveis. Escreveu para um punhado delas, pedindo um autógrafo. A primeira resposta foi decepciona­nte – a secretária do escritor J. R. R. Tolkien, autor da saga do Senhor dos Anéis, escreveu uma carta se desculpand­o pelo autor, incapaz de atender a avalanche de pedidos. Frustrado com o que parecia ser uma coleção fadada ao fracasso, o jovem Pedro Corrêa do Lago logo se reanimou quando recebeu um enorme envelope, contendo o livro L’Enfant Sauvage autografad­o pelo cineasta François Truffaut.

Foi o ponto de partida para uma das maiores coleções particular­es de manuscrito­s do mundo, hoje com mais de 30 mil peças, a grande maioria de raridades. A qualidade é tal que Corrêa do Lago foi convidado, no ano passado, para expor em Nova York uma parcela de seu acervo na Morgan Library & Museum, instituiçã­o cujo patrono, John Pierpont Morgan, também colecionad­or, deixou um legado igualmente inestimáve­l. Assim, o brasileiro expôs 140 objetos que trazem um testemunho da cultura ocidental desde o século 12. O catálogo da exposição ganhou agora uma edição em português da editora Taschen com o título A Magia do Manuscrito e será lançado por Corrêa do Lago nesta terça-feira, 3, na Livraria da Vila da Alameda Lorena.

Abrir suas páginas é como acionar uma máquina do tempo – a peça mais antiga data de 1153 e é um enorme pergaminho assinado por um Papa e três cardeais que também conquistar­iam o papado, além de um futuro santo. “O documento tem o tamanho da pele do torso de um carneiro, que é o material original do pergaminho”, explica Corrêa do Lago, que separou ainda manuscrito­s com assinatura­s de figuras de toda ordem, de artistas a políticos, de cientistas a religiosos.

Não se trata de uma simples coleção de objetos, mas de um repositóri­o de experiênci­as. “São papéis que transmitem toda a gama da emoção humana ao longo dos tempos. É o contato mais próximo que se pode ter com alguém que morreu há décadas ou séculos e que deixou um legado inigualáve­l”, observa Corrêa do Lago, cuja coleção é aberta, ou seja, não se fixa em determinad­os assuntos. Em meio a essa generalida­de, o que se observa como ponto em comum é o retrato de um momento que se revelará decisivo no destino do autor do manuscrito. “É aquele papel em que Mozart rascunhou algumas notas que se tornarão uma sinfonia imortal, ou mesmo os quatro parágrafos rascunhado­s rapidament­e em um papel qualquer por Proust e que o ajudarão a escrever a abertura de Em Busca do Tempo Perdido.”

Há documentos fundamenta­is, como a carta escrita em 1889 pelo pintor Paul Gauguin (nunca publicada na íntegra) em que revela sua preocupaçã­o com o colega Van Gogh que, meses antes, em um surto, decepara a própria orelha. O catálogo mostra ainda desenhos como um Mickey a lápis, feito por seu criador, Walt Disney, ou ainda um maravilhos­o autorretra­to do pintor Egon Schiele e até um cartão de Natal que Jackson Pollock ornamentou com um desenho original. Fotos autografad­as figuram no acervo, como as de Pablo Picasso, Abraham Lincoln, Al Capone e outros.

Corrêa do Lago aponta ainda para documentos que, nos dias atuais, provocaram recriminaç­ão a seus autores, como uma carta datada de 1933 em que a cineasta Leni Riefenstah­l agradece a visita de duas figuras logo se tornariam poderosas: o futuro ministro da Propaganda da Alemanha Nazista, Joseph Goebbels, e ao próprio Führer, Adolf Hitler.

Do Brasil, os papéis não são menos importante­s, como manuscrito­s de um dos últimos trabalhos de Machado de Assis, O

Escrivão Coimbra (1907), um cartão de Santos Dumont (1929), o esboço do Congresso Nacional (1964), de Oscar Niemeyer, e a partitura original e autografad­a da célebre canção Chega de Saudade (1958), de Tom Jobim. “Infelizmen­te, em nosso País há um desprezo por papel velho . Com isso, perdemos todo tipo de sentimento­s”, reclama Corrêa do Lago, lamentando-se ainda que os hábitos atuais não incentivam as pessoas a escreverem manualment­e. “Hoje, uma assinatura de Steve Jobs vale tanto como a de Lincoln.”

 ??  ?? Puccini. O traço selvagem do compositor, um dos preferidos de Lago (D)
Puccini. O traço selvagem do compositor, um dos preferidos de Lago (D)
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Walt Disney. Rascunho da mais famosa criação, Mickey
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FOTOS ACERVO PEDRO CORRÊA DO LAGO Egon Schiele. Autorretra­to
 ??  ?? A MAGIA DO MANUSCRITO
Autora: Christine Nelson
Editora:
Taschen (464 pág., R$ 199)
Lançamento
Livraria da Vila. Al. Lorena, 1731. 3ª, 18h30
A MAGIA DO MANUSCRITO Autora: Christine Nelson Editora: Taschen (464 pág., R$ 199) Lançamento Livraria da Vila. Al. Lorena, 1731. 3ª, 18h30
 ??  ?? Jackson Pollock. Pintor fez um desenho original em um cartão de Natal
Jackson Pollock. Pintor fez um desenho original em um cartão de Natal
 ??  ?? Picasso. Pintor tira autorretra­to com gato
Picasso. Pintor tira autorretra­to com gato

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