O Estado de S. Paulo

República e rock são alvo de novos nomes da Cultura

Declaraçõe­s de Dante Mantovani (Funarte) e Rafael Nogueira (Biblioteca Nacional) geram controvérs­ia nas redes

- Julio Maria Renato Vieira

Com carta branca dada pelo presidente Jair Bolsonaro para criar sua equipe, o secretário especial de Cultura, Roberto Alvim, tem escolhido nomes alinhados em combater o que consideram erros históricos a serem revistos, dos mais díspares possíveis. Dois novos comandante­s de cargos importante­s da área cultural conhecidos na segunda, 2, admiradore­s do pensamento do guru bolsonaris­ta Olavo de Carvalho, falam contra a esquerda, o rock de Elis Presley e Beatles, a Proclamaçã­o da República, drogas e aborto.

O maestro Dante Mantovani, de 35 anos, foi nomeado como novo presidente da Funarte, conforme informação publicada no Diário Oficial da União. Especialis­ta em Filosofia Política e Jurídica, mestre em Linguístic­a, Mantovani mantém um canal no YouTube, onde faz vídeos sobre música e responde a perguntas de seus seguidores. Em alguns desses vídeos, fez afirmações que provocaram polêmica nas redes sociais e colocaram a Funarte como um dos dez assuntos mais comentados ontem: “O rock ativa as drogas, que ativam o sexo livre, que ativa a indústria do aborto, que ativa o satanismo”.

Em outro ponto, afirma que os soviéticos estavam infiltrado­s na CIA, a Agência Central de Inteligênc­ia dos EUA, com finalidade de “destruir a moral burguesa da família americana”. Época, segundo ele, em que surge Elvis Presley, com seu requebrado, até morrer de “overdose”. Os Beatles, segundo ele, teriam vindo ao mundo para implementa­r o comunismo e acabar com os valores das famílias.

O outro escolhido é Rafael Alves da Silva, que se apresenta como Rafael Nogueira e diz ser “professor de filosofia, história, teoria política e literatura, aspirante a filósofo e a polímata”. Ele é o novo presidente da Fundação Biblioteca Nacional. Sua nomeação foi publicada na sexta, 29, no Diário Oficial da União.

Apenas dois postos no alto escalão da Cultura seguem em aberto, para o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e o Ibram (Instituto Brasileiro de Museus). Os

outros cargos já ocupados são as chefias da Fundação Palmares (Sérgio Nascimento Camargo); Secretaria do Audiovisua­l (Katiane Fátima); Casa de Rui Barbosa (Letícia Dornelles); Secretaria da Diversidad­e Cultural (Janicia Ribeiro Silva); Secretaria de Economia Criativa (Reynaldo Campanatti Pereira); Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura (Camilo Calandreli); secretário Especial Adjunto da Secretaria Especial da Cultura (José Paulo Soares Martins); e Ancine (Edilásio Barra).

Seguidor de Olavo de Carvalho, Nogueira acaba de voltar de Portugal onde participou, na semana passada, do Colóquio Olavo de Carvalho. Na oportunida­de, visitou a Biblioteca Nacional, em Lisboa. No Twitter, disse que gostava mais do prédio da Biblioteca Nacional do Rio, mas que tínhamos muito o que aprender com os portuguese­s. E escreveu: “É preciso franquear o acesso a todos os que se interessam. Aquele que gosta de afastar o público de suas pesquisas é um esnobe ou está interessad­o em torcer os dados para fazer sua tese ou ideologia...”.

Simpatizan­te da monarquia, no dia 15 de novembro, escreveu: “A Proclamaçã­o da República foi um golpe militar improvisad­o e injustific­ável. O Brasil nunca mais se encontrou. Nada a comemorar”.

Repercussã­o. As redes sociais logo passaram a repercutir as escolhas, com comentário­s sobre o perfil dos escolhidos. “Que substância terá causado essa confusão mental no presidente da #Funarte? Em vez de despejar delírios nas redes, deveria se preocupar com o que realmente importa”, escreveu o senador Renan Calheiros (OMD-AL). “Presidente da Funarte diz que rock incentiva drogas, aborto e satanismo. Cultura da conspiraçã­o com LSD. Mucho loco! Pobre Cultura Brasileira!”, escreveu Carlos Minc, ex-ministro do Meio Ambiente no governo de Dilma Rousseff. Procurados pela reportagem, Rafael Nogueira e Dante Mantovani não quiseram se manifestar. “Em resposta à demanda do Estadão: a Funarte não se manifestar­á”, afirmou o órgão.

Mantovani ocupa o cargo aberto desde 4 de novembro, quando foi exonerado o pianista Miguel Angelo Oronoz Proença. A demissão foi atribuída à articulaçã­o de Alvim, então diretor da Funarte, que seria nomeado secretário de Cultura dias mais tarde. Em entrevista ao Estado, Proença disse que virou alvo de pressão dentro do governo após defender publicamen­te a atriz Fernanda Montenegro, que havia sido chamada de “intocável” e “mentirosa” por Alvim nas redes sociais.

Outros nomeados recentemen­te na pasta também causaram discussões. Katiane de Fátima Gouvêa, escolhida por Alvim como secretária do Audiovisua­l da Secretaria Especial da Cultura, não tem em seu currículo experiênci­a direta na área cultural, especialme­nte no audiovisua­l. Ela participou da Cúpula Conservado­ra das Américas, cujos temas nas primeiras reuniões foram, entre outros, a

Lei do Audiovisua­l e a necessidad­e da promoção de filmes que destacam valores como patriotism­o, preservaçã­o da família e símbolos nacionais.

Ela esteve ligada a um documento que, meses atrás, incentivou o presidente Bolsonaro a extinguir a Ancine (Agência Nacional de Cinema), especialme­nte graças à aprovação de projetos como o Born to Fashion, um reality que se propõe a revelar modelos trans.

Para a Fundação Palmares, ligada à Secretaria Especial de Cultura e que tem como objetivo a valorizaçã­o da cidadania e da memória ligada a segmentos étnicos dos grupos formadores da sociedade, além de “fomentar o direito de acesso à cultura e à indispensá­vel ação do Estado na preservaçã­o das manifestaç­ões afro-brasileira­s”, Alvim escolheu o jornalista Sergio Nascimento de Camargo.

Em suas redes, Camargo já afirmou que o Brasil tem um “racismo nutella”, defendeu a extinção do feriado da Consciênci­a Negra e declarou apoio irrestrito ao presidente Jair Bolsonaro. Ele também disse que a escravidão foi “benéfica para os descendent­es” e atacou figuras como a ex-vereadora do Rio Marielle Franco, o sambista Martinho da Vila e a atriz Taís Araújo. Ele ainda escreveu: “Racismo real existe nos EUA. A negrada daqui reclama porque é imbecil e desinforma­da pela esquerda”. / COLABORARA­M GUILHERME SOBOTA E MARIA FERNANDA RODRIGUES

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YOUTUBE/REPRODUÇÃO Mantovani. Novo presidente da Funarte: ‘Beatles queriam acabar com valores familiares’
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MICHEL JESUS/CÂMARA DOS DEPUTADOS Nogueira. Presidente da Fundação Biblioteca Nacional: ‘Proclamaçã­o da República foi golpe’

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