O Estado de S. Paulo

Muhammad Ali estrelou por 4 dias musical na Broadway

Em 1969, o maior boxeador de todos os tempos se arriscou como cantor em ‘Buck White’; e poucos se lembram

- Adam Langer / NYT

Como o apresentad­or de esportes Howard Cosell costumava perguntar aos grandes boxeadores: o que deu errado aí, campeão? Quando o musical Buck White estreou no George Abbott Theatre em Nova York, no dia 2 de dezembro de 1969, havia três grandes atrações: o momento oportuno, a trilha sonora forte e sua estrela, o carismátic­o pesopesado Muhammad Ali.

Encenado na reunião de um grupo militante negro, o show foi baseado em Big Time Buck White, uma peça creditada ao ator e escritor branco Joseph Dolan Tuoti, desenvolvi­da na Oficina de Escritores de Budd Schulberg,

em Los Angeles, e teve temporadas de sucesso por lá, na Filadélfia e no off-Broadway.

A adaptação musical já havia sido apresentad­a em São Francisco, com boas críticas. O produtor foi o futuro poderoso da Broadway Zev Bufman, recémsaído de Jimmy Shine, musical estrelado por Dustin Hoffman, de A Primeira Noite de um Homem e Perdidos na Noite.

No elenco: Ted Ross, futuro vencedor do Tony Award por The Wiz: O Mágico Inesquecív­el;

Charles Weldon, que viria a ser o diretor artístico da Negro Ensemble Company; e o ator e produtor Ron Rich, que interpreto­u Luther Boom Boom Jackson em Uma Loura por um Milhão, filme de Billy Wilder. Estreando na Broadway como compositor e letrista estava o artista e ativista Oscar Brown Jr., cujas músicas foram gravadas por Nina Simone e Mahalia Jackson. Lorraine Hansberry, que já havia trabalhado com Brown no programa Kicks and Co., o chamou de “gênio chocante”.

Ali, muçulmano devoto, perdera seu cinturão em 1967 por ter se recusando a se alistar no exército e ir para o Vietnã. Embora não pudesse lutar profission­almente, estava pronto um retorno. Ele assistiu à peça graças ao amigo Ron Rich, depois encontrou o elenco nos bastidores e cantou algumas músicas improvisad­as com eles.

“Fiquei impression­ado com sua capacidade de manter o tom. Sua voz era tão hipnotizan­te quanto seu charme como lutador”, disse Bufman, agora com 89 anos, que acrescento­u que teve a ideia de transforma­r a peça em musical e trazer Ali para o espetáculo.

O New York Times publicou uma dúzia de artigos sobre Buck White. O musical foi capa da revista Jet; o elenco foi convidado para o The Ed Sullivan Show; a Buddah Records assinou contrato para um álbum com as músicas da peça. “A pré-estreia foi o evento teatral mais surpreende­nte que já vivi”, disse Bufman.

“Ali estava brilhante. Esqueça Harry Belafonte. Esqueça qualquer um que já tenha feito Porgy and Bess. Nunca vi ninguém igual, ele tomou o palco com um carisma que deixou as pessoas de pé por cinco minutos seguidos”.

Quatro dias depois, Buck White fechou; hoje, é difícil encontrar muitas evidências de que o espetáculo tenha sequer existido – nenhum disco com o elenco, nenhum filme. Mas o que aconteceu? A recepção crítica tinha sido morna. No Times, Clive Barnes elogiou o elenco “brilhante”, mas disse que a musicaliza­ção afogou o que poderia ser uma peça poderosa em um “mar espumoso de clichês bem-intenciona­dos”. Ainda assim, as resenhas não explicam completame­nte por que o espetáculo mais comentado da Broadway desaparece­u a ponto de não ter nem um verbete na Wikipédia.

Leigh Montville, autor de Sting Like a Bee: Muhammad Ali Vs. The United States of America,

1966-1971 (Ferroada de abelha: Muhammad Ali vs. os Estados Unidos da América, 1966-1971) dedicou parte de um capítulo de seu livro a Buck White.

“Havia muito mais substância” no espetáculo “do que as pessoas pensavam”, disse ele em entrevista. O musical era “negro demais para os brancos”? Era radical demais? O musical foi xingado por brancos que considerav­am Ali um trapaceiro e por negros que o chamavam de vendido. Ron Rich afirma que ouve envolvimen­to do FBI. “Ed Sullivan veio ao meu camarim”, disse Rich. “Ele disse: acho que Hoover botou pressão para fechar o espetáculo”.

Ou Buck White, como tantos outros sucessos ambiciosos da Broadway, simplesmen­te não estava pronto para viver seu grande momento? “Sim, o musical falava da mudança nas atitudes afro-americanas no país, e tenho certeza que isso era perturbado­r para as pessoas”, disse Jack Landron, que foi demitido do espetáculo antes da estreia, mas teve uma longa carreira como ator e (sob o nome de Jackie Washington) como cantor folk. “Mas, se fosse um grande espetáculo, as pessoas deixariam passar. Fechou porque não era bom”. O espetáculo que se seguiu a

Buck White, no George Abbott, foi Gantry, uma adaptação musical do romance de Sinclair Lewis Elmer Gantry. Ele estreou e fechou no Dia dos Namorados de 1970. Naquela primavera, pouco tempo depois, o George Abbott Theatre também se foi. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZ­OU

 ?? ANDREAS MEIER/REUTERS - 20/12/2014 ?? Breve. Musical com Ali recebeu críticas mornas da imprensa
ANDREAS MEIER/REUTERS - 20/12/2014 Breve. Musical com Ali recebeu críticas mornas da imprensa

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil