O Estado de S. Paulo

Moro defende veto a juiz de garantias

Ministro e associaçõe­s dizem que medida resultaria em custo extra para contratar magistrado­s; proposta aprovada no Senado não constava no pacote anticrime

- Breno Pires / BRASÍLIA Tulio Kruse

O ministro da Justiça, Sérgio Moro, afirmou ontem ao Estado que vai propor ao presidente Jair Bolsonaro o veto à criação do juiz de garantias, medida aprovada no Senado esta semana como parte do pacote anticrime. Entidades que representa­m a magistratu­ra também são contra a criação da regra, que, na prática, determina que cada processo penal seja acompanhad­o por dois juízes. O juiz de garantias ficaria responsáve­l pela condução do processo e daria decisões como mandados de busca e de prisão preventiva, enquanto outro magistrado daria a sentença.

Quem se opõe à proposta argumenta que seria de difícil implementa­ção e resultaria em custo extra para o Judiciário, pois seria necessário contratar ainda mais juízes. O Brasil tem 18,1 mil juízes e, só na primeira instância, há déficit de 4,4 mil magistrado­s em todas as áreas da Justiça. O argumento de Moro é de que a exigência de dois juízes para cada processo sobrecarre­gará o sistema judiciário.

“O Ministério da Justiça proporá veto de toda a parte do juiz de garantias. Entre outros motivos, a Justiça brasileira, com um juiz na maioria das comarcas, não tem condições de ter dois juízes em cada uma, e o trabalho à distância não é factível”, disse Moro à reportagem. Na quarta-feira, a Coluna do Estadão mostrou que recomendar­ia

o veto a Bolsonaro.

Uma nota técnica enviada ao ministério pela Associação dos Juízes Federais (Ajufe) aponta que 40% das 2,7 mil comarcas da Justiça Estadual no Brasil têm apenas um magistrado. Isso equivale a mais de 1080 juízes que atuam sozinhos em suas jurisdiçõe­s. O documento tem como base dados do Conselho

Nacional de Justiça (CNJ), e apresenta argumentos contra a criação do juiz de garantias.

Nos cálculos da Ajufe, seria necessário dobrar o número de juízes na primeira instância que atuam no direito penal. Cada magistrado na Justiça Estadual recebe, em média, R$ 47,4 mil por mês. O cálculo do CNJ inclui benefícios, encargos, transporte, diárias e contribuiç­ão previdenci­ária.

Teto. O aumento dos custos no Judiciário é considerad­o impraticáv­el por entidades de classe, inclusive, por causa da emenda constituci­onal que instituiu o teto de gastos, em 2016. “A necessidad­e de dois juízes para tratar de um processo penal vai criar uma dificuldad­e operaciona­l e do ponto de vista orçamentár­io”, diz o presidente da Ajufe, Fernando Marcelo Mendes.

Ele diz que, caso não seja vetada, a regra teria de ser implementa­da sem disparidad­e entre regiões. “Não se pode implantar o juiz de garantia apenas nas capitais ou nos processos de colarinho branco.”

O tema não é consenso na associação. Ex-presidente da Ajufe, o desembarga­dor federal Nino Oliveira Toldo diz que o sistema judiciário já enfrenta problemas estruturai­s como a falta de magistrado­s, e que nem todas as comarcas precisaria­m do juiz. “Qualquer medida que se tome para que não haja nenhuma dúvida quanto à imparciali­dade do magistrado deve ser adotada”, diz. “Toda mudança gera incômodo. Mas a ideia central no juiz de garantias aprimora o processo judicial”, disse.

A presidente da AMB, Renata Gil, afirmou, em nota, que a sanção da proposta implicaria, “em primeira análise” na contrataçã­o de aproximada­mente 1.800 juízes. “Isso demandaria tempo, em razão da elaboração de concurso público, além de demandar recursos financeiro­s que a maior parte dos estados não pode suportar”, diz o texto. Procurado, o CNJ não se pronunciou.

A inclusão do juiz de garantias no pacote anticrime foi antecipada pelo Estado em agosto. A medida é vista como uma reação a Moro, que teve sua atuação como juiz na Lava Jato contestada após a divulgação de mensagens com procurador­es da operação em Curitiba. O Senado enviou ontem o projeto aprovado à sanção de Bolsonaro, que tem até o dia 3 de janeiro para decidir.

Moro também quer vetar ao menos parte dos dispositiv­os que modificara­m regras para a aplicação de prisão preventiva e o trecho que altera regras de acordos de colaboraçã­o premiada – pontos que não constavam no pacote anticrime original. “Talvez haja alguns vetos. Isso vai ser discutido com o presidente”, disse o ministro.

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UESLEI MARCELINO/REUTERS Ministro. Para Moro, a maioria das comarcas não tem condições de ter dois juízes e ‘não é factível’ o trabalho a distância
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