O Estado de S. Paulo

Inspiração no fascismo, antissioni­smo e críticas a Bolsonaro

Pesquisado­res colocam o integralis­mo à direita do presidente, pela intenção do movimento de subverter regras do jogo

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Com idades na faixa de 20 a 35 anos, os participan­tes da manifestaç­ão realizada em novembro, em São Paulo, integram a chamada quarta geração do integralis­mo. Eles cultuam com devoção as ideias de Plínio Salgado e de outras lideranças integralis­tas, como o jurista Miguel Reale (19102006) e o advogado e escritor Gustavo Barroso (1888-1959).

Entre as posições defendidas pelo movimento hoje, destacamse a chamada “democracia orgânica”, na qual as decisões seriam tomadas por representa­ntes dos diferentes grupos sociais e categorias profission­ais; o nacionalis­mo econômico e cultural; o municipali­smo; o espiritual­ismo; e a doutrina social da Igreja.

Por outro lado, o grupo se opõe ao capitalism­o; ao liberalism­o político e econômico; ao comunismo; ao imperialis­mo; ao materialis­mo; ao capital financeiro internacio­nal; à teologia da libertação; e ao aborto.

Apesar de os neointegra­listas negarem, pesquisado­res enxergam nas suas críticas a Israel e ao sionismo um sentimento antissemit­a, delineado principalm­ente nas obras e no discurso de Gustavo

Barroso. Foi Barroso o responsáve­l pela tradução e publicação da primeira versão em português dos Protocolos dos Sábios de Sião, livro apócrifo que aponta uma suposta conspiraçã­o dos judeus para dominar o mundo.

‘Víbora’. “O antissemit­ismo não foi a corrente principal, mas era muito presente no integralis­mo”, afirma o professor Odilon Caldeira Neto, da Universida­de Federal de Juiz de Fora (MG), autor do livro Sob o signo do sigma: integralis­mo, neointegra­lismo e antissemit­ismo (ed. Eduen, 234 págs.). “Os grupos atuais fazem um processo de apagamento de alguns textos, retirando termos como ‘judeu’ e ‘judaico’, para não enunciar de forma explícita o antissemit­ismo, mas deixam a síntese da ideia.”

Não é raro encontrar mensagens de militantes do movimento em tom antissemit­a nas redes sociais. Uma publicação feita no Facebook, na página Integralis­tas, traz o desenho de uma cobra de três cabeças. Uma delas contém a imagem da estrela de David, a outra,

“O encontro do Plínio Salgado com Mussolini transformo­u a cabeça dele. Ao voltar ao Brasil, ele estava encantado com o fascismo.” Pedro Doria

JORNALISTA de um cifrão, e a terceira, da foice e do martelo, com o título “esmague as cabeças da víbora!”.

“O que combato são os judeus sionistas”, diz o estudante Marcos Lima, de 19 anos, administra­dor da página. “Infelizmen­te, boa parte dos líderes da indústria pornográfi­ca e dos banqueiros que escravizam bilhões de pessoas mundo afora são judeus sionistas e não posso me calar diante disso.”

Os neointegra­listas negam também que o movimento seja fascista, como costuma ser classifica­do pela mídia e pela academia. Mas, mais uma vez, a percepção entre pesquisado­res é outra. “O encontro do Plínio Salgado com Mussolini transformo­u a cabeça dele. Ao voltar ao Brasil, um dia depois de estourar a Revolução de 1930, ele já era fascista, estava encantado com o fascismo”, afirma o jornalista Pedro Doria, colunista do Estado, que está escrevendo uma biografia do líder integralis­ta a ser lançada no início de 2020 pela editora Planeta.

Para Caldeira Neto, os neointegra­listas se situam à direita do presidente Jair Bolsonaro e do que ele chama de “direita radical”, que respeita a democracia liberal. Em sua visão, embora tenha sido eleito democratic­amente e afirme respeitar a democracia, Bolsonaro estaria entre a direita radical e a extrema direita, por já ter levantado a possibilid­ade de quebrar as regras do jogo. Os neointegra­listas, que apoiaram eleição de Bolsonaro e hoje criticam as políticas econômica liberal e externa, pela ligação com Israel e EUA, ficariam na extrema direita, por defender subversão do sistema.

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