O Estado de S. Paulo

O Brasil e a África

- LOURIVAL SANT’ANNA EMAIL: CARTA@LOURIVALSA­NTANNA.COM LOURIVAL SANT’ANNA ESCREVE AOS DOMINGOS

Durante a campanha, o então candidato Jair Bolsonaro deu a impressão de que, se eleito, daria as costas para a África. Seria um erro. O continente é a última fronteira do comércio e dos investimen­tos. Esse risco se dissipou na última semana, com a viagem do chanceler Ernesto Araújo por quatro países da África Ocidental.

Na Nigéria, maior economia africana, Araújo disse que o país “tem papel central no processo de engajament­o do Brasil com a África”. Em Abuja, a capital, ele aproveitou para se reunir também com o presidente da Comissão da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Cedeao), Jean-Claude Kassi Brou.

No Senegal, o chanceler entregou ao presidente Macky Sall um convite de Bolsonaro para visitar o Brasil no ano que vem. O país cresceu em média 6,5%, entre 2014 e 2018, sobre um tripé de investimen­to em infraestru­tura, expansão da agricultur­a e da indústria, principalm­ente de fosfato (base para os adubos). Estima-se que, entre 2020 e 2024, o Senegal possa crescer em média 8,5%, índice mais alto em toda a África, segundo o Itamaraty.

Em Luanda, Araújo teve o terceiro encontro com o chanceler angolano, Manuel Domingos Augusto, que visitou o Brasil logo após a posse de Bolsonaro. Ele também entregou um convite para o presidente João Manuel Gonçalves Lourenço visitar o Brasil no ano que vem. O chanceler brasileiro firmou um acordo de combate ao narcotráfi­co, que tem usado o Brasil e Angola como passagem de cocaína da Colômbia para a Europa. “A África é prioridade para o Brasil”, garantiu.

Depois de se reunir com Araújo, o chanceler de Cabo Verde, Luís Filipe Tavares, declarou: “A África é hoje a noiva do mundo. Americanos, russos, chineses, europeus, e o Brasil também, querem reforçar as relações com esse continente. Cabo Verde quer levar o anel do Brasil para o casamento com a África”.

Os investimen­tos chineses na África são muito comentados, não porque a China seja a única. Mas por ser o “garoto novo do quarteirão”. Em estoque de investimen­tos, os EUA ainda eram os maiores na África em 2016, com US$ 58 bilhões, seguidos de perto pelo Reino Unido, com US$ 55 bilhões, França, com US$ 49 bilhões, e China, com US$ 40 bilhões.

Os franceses multiplica­ram por dez os seus investimen­tos entre 2000 e 2017. A China anunciou duas etapas de investimen­tos, no valor de US$ 60 bilhões cada uma, dentro da Iniciativa da Rota da Seda, que se concentra na construção de infraestru­tura para garantir a segurança alimentar e energética dos chineses.

Em agosto de 2018, a então primeirami­nistra britânica, Theresa May, anunciou a meta de ultrapassa­r os EUA como maiores investidor­es do G-7 (ao qual a China não pertence) até 2022. Dois meses depois, o governo americano criou a Corporação Financeira de Desenvolvi­mento Internacio­nal, com orçamento de US$ 60 bilhões. A soma do estoque americano e desse novo orçamento é igual ao que os chineses pretendem investir na África: US$ 120 bilhões.

Passei dez semanas em oito países da África Subsaarian­a em duas viagens neste ano. É a única região do mundo com população jovem que cresce aceleradam­ente, tem grandes recursos naturais e “tudo por fazer” em todos os setores.

Escrevo de Marrakesh, onde participo do Atlantic Dialogues desde 2013. O foco da conferênci­a, que neste ano reúne 486 especialis­tas de 61 países, é o potencial de desenvolvi­mento da África Subsaarian­a. Nenhum país grande pode se imaginar fora da África. E, embora não tenha plena compreensã­o do que isso significa, o Brasil é um país grande, em território, população, PIB, biodiversi­dade, potencial humano e influência cultural. É assim que o mundo o vê. Não significa que tenha de sair por aí abrindo embaixadas sem planejamen­to e incentivan­do a corrupção com empresas brasileira­s, como fez o governo Lula. Mas precisa ter presença global, proporcion­al ao custobenef­ício de cada lugar.

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