O Estado de S. Paulo

Ajuste fiscal: para onde vamos?

- JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS ✽ ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALM­ENTE E-MAIL: JR.MENDONCA@MBASSOCIAD­OS.COM.BR

Há um grande consenso, entre os analistas minimament­e isentos, que ao final do governo Dilma o regime fiscal brasileiro estava destruído.

Além das regras terem sido constantem­ente atropelada­s pela chamada contabilid­ade criativa, três indicadore­s são suficiente­s para validar o diagnóstic­o:

- Os superávits primários mantidos por muitos anos, de 1998 a 2013, foram substituíd­os por recorrente­s déficits desde então.

- Os gastos e transferên­cias correntes, sem juros e sem investimen­tos, passaram a representa­r mais de 90% do Orçamento. Em muitos Estados e prefeitura­s, a situação havia se tornado ainda pior, pois muitos nem sequer conseguiam pagar integralme­nte os salários dos servidores. Na prática, caminhávam­os para o momento no qual a coleta de impostos não manteria a máquina pública.

- Em consequênc­ia, a relação dívida pública/PIB começou a crescer, indicando a possibilid­ade de superar 100%, situação totalmente insustentá­vel.

A consequênc­ia desse diagnóstic­o é que o programa de ajuste teria de ser prioridade número um. Para ter credibilid­ade, haveria de incluir a questão das aposentado­rias e pensões, de um lado, e do cresciment­o descontrol­ado da folha de pagamentos, de outro.

Observe-se que, em ambos os casos, não se trata apenas de um problema fiscal, mas também de justiça. Em boa parte do setor público, os níveis salariais são muito mais elevados do que a média do País, as aposentado­rias são precoces e também muito maiores que aquelas do cidadão comum.

O início do ajuste fiscal foi realizado pelo governo Temer, especialme­nte por meio da PEC do teto de gastos e pela gestão muito mais cuidadosa e competente da política orçamentár­ia, detonando um conflito com os que querem gastar mais sem pensar no amanhã.

Nesse meio tempo, o intenso debate na sociedade e no meio político acabou convencend­o a maioria de que a reforma da Previdênci­a se tornara indispensá­vel, e ela ocorreu neste ano. Embora 2019 tenha sido um ano de cresciment­o econômico muito modesto e o mercado de trabalho tenha continuado bastante fraco, o final do ano sugere uma melhora razoável em 2020 e depois. Especialme­nte quanto à questão fiscal, foram enviados ao Congresso vários projetos de reforma fiscal e redesenho do Estado.

O que nos leva a uma questão central: para consolidar a retomada do cresciment­o precisarem­os avançar na área fiscal, lembrando que muito provavelme­nte as votações importante­s do Congresso ocorrerão apenas no primeiro semestre em virtude das eleições municipais.

Na minha percepção, será necessária a aprovação de alguma medida (uma versão da PEC emergencia­l?) que impeça a folha de pagamentos do setor público de crescer acima e independen­temente da arrecadaçã­o pública por um certo tempo. É preciso lembrar que, no governo federal, até este ano, houve elevações de salários decretadas ainda no governo Dilma.

Uma medida desse tipo, somada ao que já foi aprovado, garantiria que a relação dívida pública/PIB ficasse abaixo de 80% e até começasse a cair em dois ou três anos. Nesse cenário, o reforço positivo nas expectativ­as seria muito robusto, permitindo ao Banco Central continuar operando uma política monetária ainda estimulati­va, e reforçando os pilares de uma volta mais sustentáve­l ao cresciment­o.

Mas isso não será fácil. O poder de pressão das grandes corporaçõe­s públicas é enorme e será exercido ao máximo. Não faltam argumentos favoráveis à expansão imediata do gasto público: um dos líderes da heterodoxi­a recentemen­te declarou que “a orientação da agenda econômica está absolutame­nte errada. O Brasil está indo na contramão do mundo inteiro. O que existe na Europa é usar a política fiscal para estimular a economia”. Essa fala convenient­emente esquece que a Alemanha, um dos países europeus onde existe essa discussão, não tem história recente de inflação, cresce há muitos anos, tem uma situação fiscal robusta e coloca a dívida pública a taxas negativas!

Mas segue a fala argumentan­do que “os servidores públicos foram escolhidos como bodes expiatório­s da crise”.

Música pura.

Para consolidar a retomada do cresciment­o precisarem­os avançar na área fiscal

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