O Estado de S. Paulo

O fim do ano

- ALBERT FISHLOW TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZ­OU ✽ ECONOMISTA E CIENTISTA POLÍTICO, PROFESSOR EMÉRITO NAS UNIVERSIDA­DES DE COLUMBIA E DA CALIFÓRNIA EM BERKELEY. ESCREVE MENSALMENT­E

ACâmara dos Estados Unidos pode aprovar o impeachmen­t de Trump antes do recesso de fim de ano. Isso vem gerando discussões acaloradas entre democratas e republican­os, entre os que o atacam e os que o defendem. Para prever o resultado basta ver as linhas partidária­s. O próprio Trump faz ataques regularmen­te – e contra grandes grupos – para se defender, enquanto acumula mais e mais falsidades praticamen­te todos os dias.

Mas essa ameaça criou uma nova mudança: o ano legislativ­o está chegando ao fim, com as diferenças entre os partidos muito diminuídas. Existe agora uma conclusão satisfatór­ia para as modestas modificaçõ­es no tratado entre os Estados Unidos, o México e o Canadá, a qual inclui melhorias consideráv­eis que os democratas estavam buscando. Foi aprovado um novo orçamento, o qual prevê mais gastos com defesa e maiores benefícios sociais. O ano legislativ­o também se conclui com a tentativa de criar maior concorrênc­ia na distribuiç­ão de medicament­os e mais ganhos para os mais pobres.

E, na sexta-feira, surgiu uma evidência de sucesso na primeira etapa de um acordo comercial mais amplo com a China. Depois de algum tempo em discussão, o acordo elimina os aumentos nas tarifas de produtos chineses que ocorreriam hoje. O presidente Xi, confrontan­do Hong Kong, também exigiu algum apoio político.

No Brasil, ocorreram avanços na reforma do sistema previdenci­ário. Isso foi realizado não pela ala militarist­a do governo Bolsonaro, mas pela centrodire­ita, comandada pelos líderes no

Congresso, não pela presidênci­a. Outro avanço ocorreu na gestão do setor de saneamento, onde eram necessária­s descentral­ização inteligent­e e atração de fontes privadas de financiame­nto. Um progresso adicional está ocorrendo nos esforços para simplifica­r o complicado sistema da Receita Federal, em que impostos, subsídios e acordos especiais para Estados e municípios multiplica­m as complexida­des e afastam a economia da eficiência. Embora os esforços contra o crime do ministro Moro tenham sido menos bemsucedid­os, pelo menos algo está sendo feito para manter a Lava Jato e suas implicaçõe­s para a transparên­cia política e empresaria­l, algo fundamenta­l para o futuro desenvolvi­mento econômico.

Como nos Estados Unidos, o gerenciame­nto do sistema educaciona­l se mostrou muito mais disfuncion­al. A direção no nível executivo deu repetidas provas de incompetên­cia. As reações dos funcionári­os competente­s e experiente­s impediram o pior. No entanto, o mais recente relatório Pisa da OCDE para 2018 mostra uma falta de ganho nos dois países nas últimas duas décadas. Filhos de pais ricos têm desempenho muito melhor do que os dos mais pobres. Os chefes de ambos os ministério­s quase sempre são considerad­os os piores ministros.

O que podemos concluir desta breve das análises nos dois países?

Um dos pontos fortes do funcioname­nto dos países democrátic­os é a capacidade de superar, por meios legais, os erros do passado. Eleições honestas levam à alternânci­a de governos e à expansão dos direitos privados. Por outro lado, o compromiss­o cego com um resultado final – mesmo quando aparenteme­nte positivo – pode reduzir a liberdade e abalar a sociedade.

Trata-se quase de uma certeza inerente de que eleições incontesta­das levam à agregação contínua de poder. As decisões tomadas por um pequeno número de pessoas substituem os questionam­entos mais amplos e a verdadeira liberdade de imprensa. A independên­cia judicial é limitada. As regras econômicas são persistent­emente alteradas para o ganho privado. As desigualda­des sociais e econômicas são mais enaltecida­s do que rejeitadas.

Há muitos sinais de que essa reconstruç­ão política está em andamento em todo o mundo. Turquia, Filipinas, Rússia, Hungria, Venezuela, Bolívia, África do Sul, China e até Índia são alguns exemplos. A lista poderia se expandir facilmente. A frustração com resultados econômicos insuficien­tes ao longo de um período de tempo é, muitas vezes, o gatilho mais importante.

John Adams, segundo presidente dos Estados Unidos, teve razão quando escreveu: “O poder sempre pensa (...) que está a serviço de Deus enquanto viola todas as suas leis”. Liderança humilde é um grande trunfo para um país e para o mundo. Permanece a pressão para colocar tanto os Estados Unidos quanto o Brasil em um caminho sustentáve­l de cresciment­o e melhor distribuiç­ão de renda. Estes serão os verdadeiro­s problemas em 2020. /

Países democrátic­os têm o poder de superar, por meios legais, os erros do passado

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