O Estado de S. Paulo

Em 11 anos, 1 condenação por venda de sentenças

Dos 17 magistrado­s punidos pelo CNJ entre 2007 e 2018 sob a acusação de obter vantagens com decisões judiciais apenas um foi julgado e condenado criminalme­nte

- Ricardo Galhardo Bruno Ribeiro

Dos 17 magistrado­s punidos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) entre 2007 e 2018 por venda de sentenças, apenas um foi julgado e condenado pela Justiça. Pelo menos 5 foram punidos com aposentado­ria compulsóri­a de, em média, R$ 30 mil mensais.

A operação que levou à prisão preventiva da ex-presidente do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) Maria do Socorro Barreto Santiago, sob acusação de venda de sentenças, é um ponto fora da curva na história do Judiciário brasileiro. Levantamen­to feito pelo Estado com base em informaçõe­s do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que, dos 17 magistrado­s punidos pelo órgão entre 2007 e 2018 em casos de venda de decisões judiciais, apenas um foi julgado e alvo de uma condenação criminal.

As punições, no entanto, não costumam ter conformida­de com a gravidade dos crimes denunciado­s. Nestes últimos 11 anos, os magistrado­s que foram acusados de receber vantagens em troca de sentenças, na maioria dos casos, sofreram apenas punição administra­tiva – a aposentado­ria compulsóri­a (mantendo o salário mensal de cerca de R$ 30 mil), escapando de qualquer punição civil (como pagamento de multa) ou criminal (prisão). A divulgação desses processos é pouco transparen­te, uma vez que o CNJ não informa quantos casos de venda de decisões judiciais chegaram ao órgão neste período.

Entre estes 17 magistrado­s, a reportagem conseguiu localizar processos civis ou criminais contra oito juízes e desembarga­dores, por delitos como corrupção e improbidad­e administra­tiva, dos quais apenas dois foram julgados (um foi condenado e outro, absolvido). Em três casos, os TJs e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se recusaram a informar a existência ou não dos processos, sob a alegação de que os magistrado­s estão protegidos pelo segredo de Justiça (imposto por seus próprios pares). Os demais cinco magistrado­s não chegaram a ser alvo de denúncia e foram punidos com a aposentado­ria compulsóri­a.

“Não vejo claramente a chance de que a punição dura a magistrado­s por venda de sentença, como acontece na Bahia, seja uma tendência do Judiciário. É mais um caso isolado”, disse o coordenado­r do Núcleo de Estudos de Justiça e Poder Político da Universida­de Federal do Rio Grande do Sul, Fabiano Engelmann. Segundo ele, uma das principais dificuldad­es para a punição aos magistrado­s que colocam a Justiça à venda é a falta de acesso às informaçõe­s, motivada pelo corporativ­ismo.

O único magistrado punido pelo CNJ que também foi condenado pela Justiça é o desembarga­dor Carlos Rodrigues Feitosa, do Tribunal de Justiça do Ceará. Ele foi condenado à aposentado­ria compulsóri­a em setembro de 2018 e, em maio de 2019, o STJ o condenou à pena de 13 anos e oito meses de prisão pelo crime de corrupção.

Feitosa havia sido denunciado pelo Ministério Público Federal com mais nove pessoas, incluindo seu filho, por acertar, a partir de 2012, um esquema de venda de sentenças para pessoas acusadas de tráfico e homicídio. Conforme a acusação formal, as decisões judiciais eram negociadas por meio de um aplicativo de troca de mensagens e custavam cerca R$ 150 mil.

A reportagem não localizou a defesa de Feitosa. Ao STJ, os advogados do desembarga­dor negaram a prática de condutas ilícitas e que ele tivesse solicitado

ou recebido vantagens para a emissão de sentenças.

Remoção.

A juíza Ana Paula Medeiros Braga foi punida com remoção compulsóri­a pelo CNJ em 2012 depois que seu nome surgiu na Operação Vorax, da Polícia Federal, em 2008, como uma das magistrada­s que favoreciam o ex-prefeito de Coari (AM) Adail Pinheiro. Áudios captados pela PF serviram de provas contra Ana Paula, de acordo com a acusação. Nas intercepta­ções ela negocia o pagamento de aluguel do apartament­o onde morava, emprego para o namorado, viagem em avião particular e até camarote para o desfile das escolas de samba do Rio.

Na época, o relator do processo no CNJ pediu que a magistrada fosse punida com a pena máxima de aposentado­ria compulsóri­a, mas outra parte do conselho decidiu por uma punição mais branda: a censura, com a alegação de que ela apenas reproduziu práticas comuns em cidades do interior e também deu decisões contrárias à prefeitura de Coari. O resultado do julgamento foi a pena de remoção compulsóri­a.

Ana Paula foi removida da cidade amazonense, a 360 quilômetro­s de Manaus, para a comarca de Presidente Figueiredo, na região metropolit­ana da capital. A punição, na época, foi vista por colegas da juíza como uma promoção. Atualmente, ela atua em Manaus, para onde foi transferid­a pelo critério de antiguidad­e.

A juíza foi procurada por meio da assessoria do Tribunal de Justiça do Amazonas, mas não quis se manifestar porque “considera que os fatos já foram devidament­e esclarecid­os e apurados a seu tempo e entende que a Lei Orgânica da Magistratu­ra proíbe o magistrado de manifestar-se sobre processos, mesmo arquivados”.

Ministro.

Outro caso é o do exministro do STJ Paulo Geraldo de Oliveira Medina. Único integrante de corte superior a ser punido pelo CNJ desde a criação do conselho, Medina foi acusado de vender, por R$ 1 milhão, uma sentença favorável à máfia dos caça-níqueis, em 2005.

Em 2010 ele foi aposentado compulsori­amente pelo CNJ mantendo os vencimento­s de R$ 25 mil por mês. O Supremo Tribunal Federal (STF) chegou a abrir processos contra ele, mas eles foram paralisado­s depois que o advogado de Medina, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, alegou demência do magistrado.

“Infelizmen­te, essa acusação teve um efeito muito forte nele. Ele entrou em demência, hoje é inimputáve­l e os processos estão paralisado­s por causa disso. O que para os advogados é muito ruim porque estávamos fazendo uma prova muito produtiva. Não tem nada contra ele a não ser gravações do irmão dele que poderiam dar a entender que o irmão usava o nome dele”, disse o advogado.

Bahia.

Na terça-feira passada, a Procurador­ia-Geral da República denunciou 15 pessoas que foram alvo da Operação Faroeste, investigaç­ão de um suposto esquema de compra de sentenças para permitir a grilagem na região do oeste da Bahia. Entre os acusados pelos crimes de organizaçã­o criminosa e lavagem de dinheiro estão quatro desembarga­dores e três juízes do Tribunal de Justiça da Bahia.

A reportagem procurou a Associação dos Magistrado­s Brasileiro­s (AMB) para comentar o tema, mas a entidade não quis se manifestar.

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) também foi procurada e, assim como a AMB, preferiu não comentar, diante do fato de que apenas um dos casos de aposentado­ria compulsóri­a (Edgard Antônio Lippmann Júnior, do Paraná) se referia a um juiz federal e ainda estava sendo julgado – o desembarga­dor Paulo Geraldo de Oliveira Medida, único ministro do STJ afastado, era juiz de carreira de Minas Gerais, não um juiz federal.

 ?? LUCIANO CARCARÁ / AG. A TARDE ?? Magistratu­ra.
Fachada do TJ da Bahia, onde trabalham juízes alvo da Operação Faroeste
LUCIANO CARCARÁ / AG. A TARDE Magistratu­ra. Fachada do TJ da Bahia, onde trabalham juízes alvo da Operação Faroeste

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