O Estado de S. Paulo

Polarizaçã­o faz eleitor votar em quem o canse menos.

- •✽ DAVID BROOKS / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Hoje há dois blocos de poder impulsiona­ndo a política. O primeiro é o proletaria­do. São os eleitores da classe operária que vão aos comícios de Donald Trump, nos Estados Unidos, e impulsiona­ram o Brexit e a campanha de Boris Johnson, no Reino Unido. Eles sentem que o seu mundo, que consideram o máximo, está desaparece­ndo, e querem um sujeito duro que traga esse mundo de volta.

O segundo é o “precariado”, formado pelos eleitores jovens e formados, presos na armadilha de uma economia alternativ­a de trabalhos temporário­s que não têm nenhuma segurança na carreira. Eles apoiam líderes como Bernie Sanders e Jeremy Corbyn, que prometem políticas inclusivas – faculdade gratuita, internet grátis, creches – para se sentirem mais seguros.

Esses dois grupos são diferentes em alguns aspectos. Quando os proletário­s atacam seus inimigos, eles o fazer a partir de uma aparente posição de inferiorid­ade social, de maneira que tais ataques são rancorosos e brutais. Quando o precariado ataca, ele o faz de uma aparente posição de superiorid­ade moral. Seus ataques estão cobertos de escárnio, zombarias e desdém.

Mas os dois movimentos têm paralelos. Ambos são movidos pelo medo do futuro e pelo temor recíproco. Ambos tendem a adotar visões apocalípti­cas e catastrófi­cas da ruína que nos cerca. A distopia se torna o opiáceo da classe ativista.

Atormentad­os pela inseguranç­a econômica, eles tolerarão qualquer pecado do seu líder – racismo, antissemit­ismo, desonestid­ade –, desde que essa pessoa se disponha a lutar e esteja do seu lado. Ambos apoiam propostas políticas irrealista­s, radicais, porque rejeitam a ideia de que política é simplesmen­te uma maneira confusa de solucionar as diferenças com pessoas com as quais discordamo­s.

Esses dois blocos poderosos estão orientando o debate e estabelece­ndo a agenda. Mas existe outro grupo de pessoas que se tornou a parte mais interessan­te do eleitorado, nos Estados Unidos e no Reino Unido. São os 75% de eleitores que estão exaustos, pessoas definidas não por qualquer ideologia comum, mas por um estado afetivo – simplesmen­te estão cansados da guerra sem fim entre aqueles dois exércitos. A exaustão se tornou uma força independen­te na política moderna. Muitas pessoas votam no candidato, seja lá quem for, que as canse menos.

A eleição britânica foi definida pelo fato de muitos eleitores simplesmen­te não terem nenhum entusiasmo por Johnson ou Corbyn. A revista The Economist chamou a eleição de “Pesadelo britânico antes do Natal”.

Escrevendo no Guardian, Rafael Behr observou: “Convivemos com a frustração e o pavor. Estamos fixados nestes sentimento­s, como se estivéssem­os vendo mãos calejadas revolvendo uma gaveta privada onde uma identidade emaranhada, delicada, está guardada, e tentando extraí-la. É como se fosse o exílio.”

As pessoas no campo dos exaustos estão cansadas de ter a pressão à sua frente toda hora. Como concluiu Ryan Streeter, do American Enterprise Institute, “os jovens que, de vez em quando, estão sós têm sete vezes mais probabilid­ade de se tornarem ativos na política do que aqueles com intensa vida social”. “Os que estão exaustos têm outras coisas para fazer. Eles querem recolocar a política no seu lugar correto e encontrar significad­o, ligação, entretenim­ento e moralidade em algo além das guerras no Twitter e campanhas eleitorais”, escreveu.

Anos e anos de exaustão também tornaram essas pessoas desgastada­s, céticas e indignadas. A exaustão, como sempre, provoca uma espécie de pessimismo, sentimento que vivemos em épocas terríveis, uma espécie de desânimo da alma. Como Peter Stockland, do centro de estudos Cardus, definiu: “O efeito combinado do medo e da exaustão está produzindo um ceticismo tão profundo, tenebroso e tóxico que beira o pecado de prestar falso testemunho contra a realidade”.

Mas a caracterís­tica principal dos

eleitores desse grupo de exaustos é a timidez. Eles não extraem energia do conflito da maneira como Trump o faz. Sua tendência é abaixar a cabeça e sobreviver a essa loucura.

Nos câmpus universitá­rios, 10% dos estudantes são capazes de intimidar os outros 90%, que não querem dizer a coisa errada. No Congresso, os “trumpianos” intimidam os membros que percebem que Trump é um problema. As pessoas nos dois grandes blocos de poder não conseguem vencer a guerra que travam um contra o outro, mas são boas em intimidar os moderados dentro do próprio campo.

Deste modo, os que estão no campo dos exaustos perpetuam a própria miséria. Eles se queixam das terríveis opções em cada ciclo eleitoral, mas nunca se organizam ou se tornam imaginativ­os o bastante para oferecer alguma coisa que eles desejariam.

No Reino Unido, eles tiraram os recursos financeiro­s da política, mas ainda assim tiveram uma eleição pior e

mais polarizada do que a americana. No final, Johnson venceu facilmente, em parte porque os eleitores exaustos oscilaram para a demagogia nacionalis­ta de Trump e de Johnson, uma vez que a última alternativ­a seria uma guerra de classes de Corbyn e de Sanders.

Nos Estados Unidos, os eleitores terão a chance de virar a página emocional e eleger uma pessoa que mostre que é possível ser progressis­ta ou conservado­r sem transforma­r a política numa guerra perpétua. Pete Buttigieg vem crescendo e o apoio a Joe Biden é resiliente, exatamente porque eles não são fatigantes.

A pergunta interessan­te é se, no calor da batalha, os eleitores exaustos superarão sua fadiga, ceticismo e timidez e defenderão seus interesses na disputa.

A exaustão se tornou uma força independen­te. Muitas pessoas votam em seja lá quem for que as canse menos

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SCOTT HEPPELL/AP – 12/12/2019 Sem entusiasmo. Apuração da eleição britânica; disputa dividida entre proletaria­do e ‘precariado’

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