O Estado de S. Paulo

Brexit done

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OPartido Conservado­r saiu triunfante da eleição no Reino Unido. Os Tories terão 364 dos 650 assentos no Parlamento, número que dá ao primeiro-ministro Boris Johnson uma maioria que não se via na Câmara dos Comuns desde 1987, quando ocupava o número 10 de Downing Street a “dama de ferro”, Margaret Thatcher.

O resultado da eleição indica estar bem próximo o fim do longo impasse em torno do Brexit, o processo de saída do Reino Unido da União Europeia (UE). A separação dos britânicos do bloco europeu estava marcada para o dia 31 de outubro passado, mas, em função do profundo desacordo em relação à questão da fronteira entre a Irlanda do Norte, parte do Reino Unido, e a República da Irlanda, membro da UE, teve de ser adiada para 31 de janeiro de 2020 justamente para que o partido vencedor em uma nova eleição pudesse indicar um primeiro-ministro com força política capaz de costurar um consenso até aqui inatingíve­l.

Um dos fatores que mais contribuír­am para a acachapant­e vitória dos Tories e a consequent­e recondução de Boris Johnson no pleito do dia 12 passado foi um generaliza­do sentimento de angústia após quatro anos de muitas discussões e nenhuma certeza em relação ao futuro do Reino Unido e de seus cidadãos após a separação da UE. A campanha vitoriosa do primeiro-ministro teve a sensibilid­ade de capturar esse estado de espírito da nação traduzindo-o em um slogan simples e direto: Let’s Get Brexit Done (“Vamos resolver o Brexit de uma vez”, em tradução livre). A bem da verdade, o destino do Reino Unido pós Brexit permanece tão incerto como sempre esteve, mas tudo indica que agora aos britânicos será dado conhecer, enfim, o que o futuro lhes reserva. A decisão das urnas foi clara: é melhor enfrentar as dores iniciais de um processo de transforma­ção do que ter de lidar com a angústia da incerteza.

Pouco após o encerramen­to da apuração, Boris Johnson foi recebido pela rainha Elizabeth II no Palácio de Buckingham para receber da soberana a incumbênci­a de formar um novo governo. A folgada maioria tornará sua vida bem mais fácil do que vinha sendo até aqui. Boris Johnson não só tem a chance inaudita de concluir o Brexit, como fazê-lo em seus termos. Até agora, o Partido Conservado­r governou o Reino Unido por meio de uma coalização com o Partido Unionista Democrátic­o (DUP, na sigla em inglês), da Irlanda do Norte, que conferia ao primeiro-ministro uma maioria tênue. A enorme resistênci­a do DUP aos termos do acordo envolvendo a fronteira do país com a República da Irlanda limitava muito a margem de manobra de Johnson em Bruxelas. Esta barreira não existe mais.

Mas o novo gabinete segurament­e será atribulado por desafios que exigirão do primeiromi­nistro muito mais habilidade política do que sua conhecida verve e seu notável carisma.

No plano externo, o desafio é reposicion­ar o Reino Unido, política e economicam­ente, após a separação da UE. Boris Johnson acena com a assinatura de acordos comerciais que pode não ocorrer no tempo que ele imagina e, assim, aumentar a insatisfaç­ão dos britânicos diante de eventuais reveses econômicos.

No âmbito doméstico, o primeiro-ministro terá de conter a nova onda nacionalis­ta que emergiu das urnas. Na Irlanda do Norte, partidário­s da união do país com a república do sul conquistar­am mais assentos no Parlamento do que aqueles que querem permanecer parte do Reino Unido. Na Escócia, os nacionalis­tas obtiveram 48 das 59 cadeiras em disputa.

Após a confirmaçã­o do resultado da eleição, Johnson adotou um tom conciliado­r e afirmou ser tempo de “curar as feridas”, “unir a nação” e cuidar do Sistema Nacional de Saúde, “absoluta prioridade” de seu governo. Em boa hora, Johnson também acenou aos europeus ao afirmar que em seu governo “jamais serão ignorados os bons e calorosos sentimento­s dos britânicos em relação às nações da Europa”.

Nos últimos quatro anos, o

Brexit dominou o debate no Reino Unido e no restante da Europa. É chegada a hora de sua concretiza­ção.

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