O Estado de S. Paulo

Instagrafi­te mistura arte de rua e propaganda

Perfil no Instagram virou agência de publicidad­e e espalha painéis por várias cidades do mundo

- Lílian Cunha ESPECIAL PARA O ESTADO EXCEPCIONA­LMENTE, A COLUNA TEASER NÃO SERÁ PUBLICADA NESTA SEMANA.

Lá nos idos de 2010, o americano Kevin Systrom e o brasileiro Mike Krieger criaram o Instagram. Aqui no Brasil, em agências de publicidad­e de São Paulo, Marcelo Pimentel trabalhava como diretor de arte e Marina Bortoluzzi, no planejamen­to de campanhas. Fãs de fotografia e de grafite, os dois resolveram criar um perfil na então nova rede social, com fotos de arte de rua. Era outubro de 2011 e nascia assim, sem compromiss­o nenhum, o Instagrafi­te.

“Era só um perfil em que a gente postava fotos de grafite em São Paulo e de outras cidades”, lembra Marina. Mal sonhavam os dois que aquele perfil iria, anos mais tarde, se transforma­r numa agência de publicidad­e especializ­ada em misturar arte de rua com propaganda.

Naqueles primórdios do Instagram, o que nem Marina sabia é que o Instagrafi­te foi um dos primeiros perfis criados para mostrar arte na rede. O MoMA (o Museu de Arte Moderna de Nova York) e a Tate Gallery, de Londres, só estrearam no aplicativo de fotos meses mais tarde (em dezembro de 2011 e fevereiro de 2012, respectiva­mente).

O vanguardis­mo do perfil ajudou o Instagrafi­te a alcançar, em menos de dois anos, 1 milhão de seguidores. “De uma hora para outra, viramos a grande mídia do grafite no mundo. Todos os artistas de rua, em várias partes do mundo, queriam aparecer no Instagrafi­te”, recorda a publicitár­ia.

Assim, Marina e Marcelo deixaram seus empregos para se dedicar inteiramen­te ao projeto. “Passamos a viajar o mundo todo sendo convidados a participar de festivais de grafite, com o status de ser uma das principais mídias dessa arte”.

Em 2015, a dupla resolveu dar um passo além: Marina e Marcelo procuraram patrocinad­ores e criaram o festival O.Bra, em São Paulo, com o objetivo de transforma­r oito empenas cegas (paredes sem janelas) de edifícios do Largo do Arouche, na região central, em murais artísticos. Para isso, os dois reuniram marcas de tinta, do setor financeiro e de esportes e mais 18 artistas.

Deu tão certo que as marcas continuara­m procurando o Instagrafi­te para novos projetos.

“A ideia era fazer painéis pela cidade, usando arte de rua e ajudando a marca a chegar mais perto do público”, diz Marina.

Um dos primeiros trabalhos foi para a vodca Absolut, da Pernord Ricard. Em um grande mural na região do Minhocão, no centro de São Paulo, a marca patrocinou um trabalho feito pelos artistas Renan Santos e Patrick Rigon, que mostrava apoio à causa LGBT, ilustrando as cantoras trans, Linn da Quebrada e Assucena Assucena e Raquel Virgínia, da banda As Bahias e a Cozinha Mineira.

Detalhe: em nenhuma parte do mural aparecia a marca Absolut. “Quem via o mural e pesquisava na internet se deparava com outros desdobrame­ntos da campanha, como a apresentaç­ão de duas festas da Absolut em São Paulo, feitas em parceria com a plataforma de recrutamen­to Trans Emprego e o centro de acolhiment­o Casa 1 – além do videoclipe da música ‘Absolutas’, da Mc Linn da Quebrada e As Bahias e a Cozinha Mineira”, conta Patrícia Cardoso, diretora de marketing da Pernod Ricard Brasil.

Funciona? Mas fazer propaganda assim, sem dar destaque à marca, funciona? Sim, garante Marina. “As pessoas estão cansadas de propaganda que gritam ‘compre’, ‘beba’, ‘coma’. Quando a marca se junta a arte para deixar a cidade mais bonita, mesmo que não perceba num primeiro momento, o consumidor capta que aquela empresa tem um discurso diferente, uma preocupaçã­o com o belo e o urbanismo”, diz a publicitár­ia.

Funciona tão bem que o faturament­o do Instagrafi­te, como agência, passou de R$ 670 mil em 2018 para R$ 780 mil este ano e deve chegar a R$ 1 milhão no ano que vem.

“Não dar tanta ênfase ao produto e à marca é uma tendência na propaganda mundial”, afirma o professor Vanderlei Postigo, coordenado­r do curso de publicidad­e e propaganda da Fapcom. “O consumidor, no fundo, está cansado de tudo preto no branco, direita e esquerda. Quando ele é tratado de forma mais sutil, com arte, ele valoriza mais a marca.”

A Nike também acredita que essa nova forma de fazer propaganda é funcional. Em parceria com a Instagrafi­te, a artista de rua Kueia pintou, na Rua da Consolação, em São Paulo, um grande coelho usando os tênis Nike Air Max.

O segredo, segundo Gustavo Viana, diretor de marca para sportswear da Nike do Brasil, é amarrar a ação de criação do painel com outras online. “Hoje, a relação do online e do offline para nosso consumidor é uma só”, diz. Na prática, o consumidor vê o painel, acha bonito, pesquisa na web ou tira foto, posta nas redes e é afetado pelo trabalho da marca na internet.

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TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO - 21/2/2019 Combinação. Painéis espalhados pelo centro da cidade unem arte de rua com propaganda

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