O Estado de S. Paulo

Uma retrospect­iva do mercado em crise.

Retrospect­iva. Na literatura, em 2019, Lobato cai em domínio público e autoras se destacam em premiações

- Maria Fernanda Rodrigues

Depois de sobreviver ao pior ano de sua história, o mercado editorial brasileiro passou 2019 ainda tentando driblar o impacto da crise das redes de livraria Saraiva e Cultura, que conseguira­m, com custo, aprovar seu plano de recuperaçã­o judicial este ano com a proposta de pagar o que devem com deságio e a perder de vista, e da crise geral do livro, que acumula perda de 25% do faturament­o nos últimos 13 anos.

Mas há boas notícias, pelo menos para o bairro de Pinheiros, que ganhou três livrarias: Travessa, Mandarina e Livraria da Tarde. Foi também um ano para repensar o modelo de negócio e produtos – a aposta nos audiolivro­s e transforma­ção de uma banca de jornais na Combo Café & Livraria são alguns desses exemplos. Outro: as feiras independen­tes, que levaram um grande público para espaços como a Biblioteca Mário de Andrade e a Cidade Universitá­ria.

Por falar em Biblioteca Mário de Andrade, a jornalista Joselia Aguiar, ex-curadora da Flip, assumiu a presidênci­a. Houve ampliação da programaçã­o cultural e a criação de um clube de leitura para debater questões raciais. Já a Biblioteca Nacional termina 2019 sendo presidida por Rafael Nogueira, formado em Filosofia e

seguidor de Olavo de Carvalho.

Foi ano de Bienal do Livro no Rio de Janeiro. E foi ano de polêmica. O prefeito Marcelo Crivella emitiu uma notificaçã­o exigindo que a Bienal protegesse as edições da HQ Vingadores – A Cruzada das Crianças,

que trazia um casal gay. Fiscais da ordem foram ao Riocentro em busca de “conteúdo impróprio”. E os últimos dias do evento foram marcados por idas e vindas na Justiça para garantir a venda de livros LGBT. Como resultado, houve aumento na venda de obras com essa temática.

Na Feira do Livro de Turim, uma editora neofascist­a foi banida. Livros de Harry Potter foram retirados de biblioteca escolar

nos EUA, porque um padre considerou que sua leitura poderia levar à invocação do mal, e foram queimados na Polônia, por católicos, junto com outros livros e objetos com ‘força maligna’.

Em domínio público desde janeiro, Monteiro Lobato invadiu as livrarias brasileira­s. Caçadas de Pedrinho, o mais controvers­o, foi o menos reeditado.

No ano do centenário de J. D. Salinger, seu clássico O Apanhador no Campo de Centeio ganhou nova tradução. Margaret Atwood lançou Os Testamento­s, a continuaçã­o de sua distopia premonitór­ia O Conto da

Aia. O jornalista best-seller Laurentino Gomes iniciou uma trilogia sobre a escravidão.

Chico Buarque, que ganhou o Prêmio Camões e deve receber o certificad­o sem a assinatura de Jair Bolsonaro, lançou um novo romance: Essa

Gente.

A caixa Badaladas – Dr. Semana, com cerca de 300 crônicas que Machado de Assis publicou na revista Semana Ilustrada entre 1869 e 1876, também foi destaque entre os lançamento­s. Outra revelação importante, noticiada com exclusivid­ade pelo Estado, foi a existência de um caderno inédito em que a única sobrinha de Euclides da Cunha narra como a família soube da morte trágica do autor de Os Sertões, homenagead­o pela Flip.

A Flip, aliás, chega ao fim de 2019 com a imagem arranhada

por escolher homenagear, em 2020, a poeta americana Elizabeth Bishop, que apoiou o golpe militar de 1964. O assunto segue rendendo debate.

Ícone do feminismo negro, filósofa e ativista, Angela Davis veio ao Brasil. Ignácio de Loyola Brandão foi eleito imortal da Academia Brasileira de Letras. Conceição Evaristo, preterida pela mesma ABL em 2018, foi a personalid­ade do ano do Prêmio Jabuti. E Paulo Freire, alvo de ataques, foi celebrado pela Balada Literária.

A Academia Sueca concedeu dois prêmios Nobel de uma vez. A polonesa Olga Tokarczuk ficou com o de 2018. O austríaco Peter Handke, com o de 2019 – rendendo novas críticas à Academia, já que Handke é conhecido por sua defesa dos sérvios na Guerra da Bósnia.

Três mulheres ganharam o Oceanos: Djaimilia Pereira de Almeida, Dulce Maria Cardoso e Nara Vidal. Ana Paula Maia levou o Prêmio São Paulo pelo segundo ano consecutiv­o. O Booker foi dividido entre duas mulheres: Margaret Atwood

(Os Testamento­s) e Bernardine

Evaristo (Girl, Woman, Other). E Uma História da Desigualda­de: A Concentraç­ão de Renda Entre os Ricos no Brasil 1926 - 2013,

de Pedro Ferreira de Souza, foi o Livro do Ano do Jabuti.

Morreram Toni Morrison, Harold Bloom, Agustina Bessa-Luís, Rosamunde Pilcher, Modesto Carone, Andrea Camilleri, Paulo Bomfim, Jerusa Pires Ferreira, João Carlos Marinho, entre outros.

 ?? HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO ?? Biblioteca Mário de Andrade.
Programaçã­o ampliada e clube de leitura para debater questões raciais
HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO Biblioteca Mário de Andrade. Programaçã­o ampliada e clube de leitura para debater questões raciais
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MARCOS DE PAULA/PREFEITURA DO RIO Bienal do Livro. No Rio, fiscais em busca de obras com ‘conteúdo impróprio’

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