O Estado de S. Paulo

Água na fervura

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Logorreia antiambien­talista de Bolsonaro inflama artificial­mente a opinião internacio­nal e ameaça o dínamo econômico do País: a agropecuár­ia.

Em clima de retrospect­iva de fim de ano, o New York Times e o Financial Times publicaram, coincident­emente no mesmo dia 5, matérias especiais sobre a Amazônia. Os títulos são sugestivos. A matéria nova-iorquina, repleta de imagens impactante­s, abre com a chamada “A Amazônia está completame­nte sem lei: a floresta tropical após o primeiro ano de Bolsonaro”. O caderno de quatro páginas londrino anuncia: “Espectro de devastaçõe­s dispara batalha feroz pelo futuro da Amazônia”, e especifica: “Chefões do crime visam ao lucro rápido com a busca por desenvolvi­mento e votos do presidente”.

As matérias ilustram dois fenômenos opostos que não se excluem, ao contrário, se retroalime­ntam. Por um lado, a imprudênci­a do presidente Jair Bolsonaro em relação às preocupaçõ­es ambientais, que, oscilando entre a indiferenç­a e a hostilidad­e, está não só estimuland­o infrações, como arruinando a imagem do País junto à opinião pública internacio­nal. Por outro lado, a extrema suscetibil­idade desta opinião.

Comparativ­amente, o País tem índices respeitáve­is de proteção ambiental. Na Amazônia, a lei determina que 80% das propriedad­es devem ser preservada­s. Além disso, as terras indígenas e unidades de conservaçã­o correspond­em a 24,2% do território nacional. Tudo somado, mais de 66% do território é de vegetação nativa. A lavoura ocupa 7,6% das terras brasileira­s. No Reino Unido, por exemplo, são 63,9% e na Alemanha, 56,9%. Ainda assim, o Brasil é o segundo maior exportador agropecuár­io do mundo, em vias de se tornar o maior. Nas últimas duas décadas, a área plantada cresceu apenas 30%, mas a produção de grãos dobrou.

Conquistas como estas, que colocam o Brasil na vanguarda ambiental e agrícola, têm sido obnubilada­s, contudo, por um excesso de insensibil­idade – por parte do governo brasileiro – aliado a um excesso de sensibilid­ade – por parte da opinião pública internacio­nal.

O retrocesso na preservaçã­o da floresta em 2019 é irrefutáve­l. O desmatamen­to aumentou quase 30%, e justamente nas áreas federais protegidas cresceu, entre agosto de 2018 e julho de 2019, 84%. Enquanto isso, entre janeiro e setembro, as autuações por crimes florestais caíram, em comparação com o mesmo período de 2018, 40%. Mas, por mais preocupant­es e reprovávei­s que sejam esses números para o governo, é preciso considerar que, historicam­ente, o País vem reduzindo consistent­emente o desmatamen­to. Entre 2002 e 2004, por exemplo, a média anual de área desmatada foi de 24,6 mil km². Desde 2009, contudo, a média está na casa de 6,4 mil km².

O desmatamen­to da Amazônia é grave e deve ser combatido com rigor. Mas se é insensatez ser cético em relação às mudanças climáticas, é ainda mais não ser cético em relação ao seu uso demagógico. A preservaçã­o da Amazônia é um capital importante. Quando, por exemplo, o presidente francês Emmanuel Macron se vale de uma imagem sentimenta­l como “nossa casa em chamas” para insinuar uma intervençã­o internacio­nal ou o bloqueio ao livre comércio, ele não só capitaliza votos com os jovens ambientali­stas à esquerda, mas com os velhos agroindust­riais à direita.

Vale lembrar que 80% do bioma amazônico no Brasil está preservado. Além disso, por mais dolorosas que sejam as imagens das queimadas e por maior que seja o seu efeito sobre o regime das chuvas, em termos de impacto ambiental não há comparação com as toneladas de gases tóxicos lançados na atmosfera pelos maiores poluidores do mundo: China, Estados Unidos, Índia e Rússia. Apesar disso, é o Brasil que, em 2019, fica com a fama de facínora ambiental planetário, sendo ameaçado de boicote por governos e empresas.

Nada disso escusa a falta de políticas ambientais de Bolsonaro. Em certa medida, ainda mais reprovável é a sua logorreia antiambien­talista – contra ONGs, popstars, chefes de estado, bispos católicos –, justamente porque inflama artificial­mente, a troco de nada, a opinião internacio­nal, cobrindo com espessas nuvens as virtudes ambientais do País, e ameaçando o seu dínamo econômico: a agropecuár­ia.

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