O Estado de S. Paulo

Facebook ‘stalker’

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Há muito stalker (perseguido­r) no mundo digital, o que torna aconselháv­el redobrar a prudência nas redes sociais.

Entre outros possíveis sentidos, a palavra inglesa stalker (perseguido­r) é muito usada hoje em dia para definir quem vigia e persegue, de forma insistente e obsessiva, outra pessoa nas redes sociais. Há muitos stalkers no mundo digital, o que torna aconselháv­el redobrar a prudência, por exemplo, ao escrever para uma rede social. Descuidos com a privacidad­e podem trazer sérios riscos.

No entanto, não são apenas os usuários que adquirem hábitos obsessivos. Às vezes, é a própria rede social que pratica esse tipo de conduta. Em resposta a consultas feitas pelo Senado americano, o Facebook admitiu que, por razões de segurança e para fins publicitár­ios, coleta dados de localizaçã­o mesmo que o usuário tenha desligado as funções de geolocaliz­ação. “Inclusive se alguém não ativa os serviços, pode ser que o Facebook ainda obtenha informação sobre sua localizaçã­o baseando-se na informação que ele e outros fornecem através de suas atividades e conexões com os nossos serviços”, disse a empresa.

Por exemplo, mesmo que uma pessoa tenha desativado o GPS do seu celular, o Facebook é capaz de identifica­r sua localizaçã­o recorrendo a outras informaçõe­s da pessoa, que ele obtém por meio de outros serviços do Facebook e dos dados relativos à conexão de internet. E, como a empresa reconheceu, ela não é apenas capaz, como de fato a utiliza “por razões de segurança e para fins publicitár­ios”.

Dirigida aos senadores Chris Coons (Partido Democrata) e Josh Hawley (Partido Republican­o), a carta do Facebook foi divulgada no Twitter pela jornalista Emily Birnbaum, da publicação americana The Hill. Após compartilh­ar a publicação de Birnbaum, o senador Josh Hawley escreveu: “O Facebook admite. Você desliga os serviços de localizaçã­o e eles ainda registram onde você está para ganhar dinheiro (enviando a você publicidad­e). Não há como sair. Não existe controle sobre a sua informação pessoal”.

A conduta do Facebook é grave. Ele capta dados do usuário, utilizando-os para ganhar dinheiro, mesmo que o usuário diga que não deseja ceder esses dados ao Facebook. Tratase de uma deliberada violação da privacidad­e e da autonomia individual.

O caso adquire ainda maior gravidade pelo fato de o Facebook ter, em suas diferentes plataforma­s – Instagram, Facebook Messenger, WhatsApp e o próprio aplicativo Facebook –, mais de 2 bilhões de usuários. Não é uma empresa importante violando os termos da relação com seus clientes. Trata-se simplesmen­te do grupo empresaria­l que domina o universo das redes sociais, sem nenhum concorrent­e minimament­e capaz de lhe fazer sombra, dizendo que atua de forma não transparen­te e em sentido contrário à vontade do usuário, como recurso para obter maiores receitas.

A lei brasileira proíbe expressame­nte esse tipo de conduta. “Com o objetivo de proteger os direitos fundamenta­is de liberdade e de privacidad­e e o livre desenvolvi­mento da personalid­ade da pessoa natural”, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei 13.709/2018) define que o tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado mediante o consentime­nto do titular. As exceções previstas na lei para a utilização de dados sem consentime­nto pessoal – por exemplo, realização de estudos por órgão de pesquisa ou cumpriment­o de obrigação legal – não têm nenhuma relação com fins publicitár­ios, tal como admitido pelo Facebook.

Além disso, a Lei 13.709/2018 estabelece­u o direito de cada um saber de forma “clara, adequada e ostensiva” a respeito do tratamento que suas informaçõe­s pessoais recebem. É evidente que esse direito não é respeitado quando o usuário do Facebook só toma conhecimen­to do modo como suas informaçõe­s pessoais são de fato utilizadas por meio de uma carta da empresa a dois senadores americanos.

Ao exigir que os dados sejam tratados com boa-fé, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais determina, entre outros requisitos, que tais atividades tenham “propósitos legítimos, específico­s, explícitos e informados ao titular”. A lei existe para ser cumprida.

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