O Estado de S. Paulo

‘MÁ GESTÃO LEVOU A MAIOR DESIGUALDA­DE’

Presidente do Insper diz que a piora de indicadore­s sociais no País reflete decisões tomadas a partir de 2008

- Marcos Lisboa

Oaumento da miséria e da desigualda­de social, visto após a recessão de 2015 e 2016, é reflexo das políticas econômicas erradas aplicadas nos anos anteriores, avalia o economista.

O aumento da miséria e da desigualda­de social, visto após a recessão iniciada em 2014, é reflexo das políticas econômicas erradas aplicadas nos anos anteriores, na avaliação do economista Marcos Lisboa. Ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e hoje presidente do Insper, Lisboa afirma também que o governo Bolsonaro ainda não apresentou um projeto claro para a redução da miséria e da concentraç­ão de renda, mas é preciso olhar o longo prazo – fazendo aportes em educação e em programas de cuidados desde a primeira infância. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Em 2014, o sr. alertou que a política econômica da época iria gerar uma crise que levaria a um retrocesso na redução da desigualda­de. Foi o que ocorreu?

O engraçado é que, depois, as pessoas ficam fazendo análises, como se o que aconteceu fosse um susto. Mas é simples: a desigualda­de caiu enquanto a economia cresceu. Quando o País entrou em crise, pela má gestão da política econômica, a desigualda­de aumentou. É possível reduzir os abismos sociais quando a economia estiver crescendo e com políticas que olham para as novas gerações, garantindo que elas tenham acesso a uma educação de qualidade e cuidando das crianças desde o nascimento.

Mas os índices que medem pobreza e desigualda­de aumentaram depois da recessão. Por que o problema estaria lá atrás?

É porque, no fundo, a política econômica demora anos para ter impacto. O que estamos vendo hoje é um reflexo da política econômica que foi praticada a partir de 2008. O Brasil colheu uma melhora da desigualda­de, pelo cresciment­o da economia e uma série de políticas sociais feitas até o começo dos anos 2000, como a melhora do mercado de crédito. Antes disso, ainda nos anos 90, foi feito o combate à inflação, que era uma fonte de desigualda­de, o câmbio flutuante. Tudo isso permitiu um maior cresciment­o econômico e o resultado foi a queda da desigualda­de no mercado de trabalho e ganhos reais de salário muito altos, sobretudo para os trabalhado­res de baixa renda.

E isso começou a mudar com a crise internacio­nal?

Sim, quando vieram as políticas de intervençã­o, a partir de 2008 (já no segundo mandato de

Lula), com o governo defendendo empresas e setores com políticas protecioni­stas, do crédito subsidiado à intervençã­o no setor elétrico. Ali se construiu um problema, mas que demora um pouco para dar errado. Em 2015 e 2016, se colheu o desastre que havia sido plantado sete anos antes.

A condução da economia mudou desde 2015. Também vai demorar para gerar resultados? Sim, porque ainda tem muito capital e mão de obra alocados em empresas e em setores em que o País é pouco produtivo, geram pouca renda e poucos empregos. Uma parte do setor formal do País está quebrada ou quase quebrando, como a indústria de transforma­ção e o setor de óleo e gás. Esse grupo está muito fragilizad­o e não consegue crescer, porque são empresas ineficient­es que não sobrevivem sem a proteção do governo que onera os demais setores. O que cresce é o setor de serviços e o de varejo, que têm porcentual maior de informalid­ade.

É como começar a subir uma escada e parar no meio?

Boa parte da queda da desigualda­de foi pelo cresciment­o dos trabalhado­res de baixa renda, muito pelos trabalhado­res informais. Se a economia cresce devagar, a desigualda­de aumenta. Vimos um aumento generaliza­do da pobreza no País.

A decisão de criar o Bolsa Família foi acertada?

As políticas sociais são importante­s para aliviar a extrema pobreza. Não se resolve a desigualda­de sem cuidar das novas gerações. Mas, sem dúvida, é preciso combinar políticas compensató­rias para os grupos de extrema pobreza enquanto se desfaz as distorções do passado.

No longo prazo, o que pode ser feito para reduzir tanto a pobreza quanto a desigualda­de?

Com uma política sustentáve­l de geração de emprego, reduzindo as restrições ao comércio exterior e resgatando os instrument­os de crédito para as empresas. Quando se pensa nessas questões de pobreza e de desigualda­de, as medidas muito voltadas para o curto prazo podem ser prejudicia­is no longo prazo. Se o governo acha que está melhorando os índices de emprego, ao apostar em determinad­os setores ou empresas, como foi feito no passado, estará apenas adiando a solução de um problema.

O governo atual tem se preocupado com a redução da miséria e dos abismos sociais?

O governo não tem uma agenda clara para esses temas. Ele se apega a algumas bandeiras que dão manchete nos jornais, como o acordo do Mercosul com a União Europeia, que vai levar dez anos para ser concluído. Mas não enfrenta a redução de impostos, não revê as regras de conteúdo nacional. Muito daquilo que foi feito nos últimos anos precisa ser revisto, mas tem de ser um processo cuidadoso, porque vários negócios foram construído­s com regras antigas, e não são sustentáve­is sem elas.

‘Manchetes’

“O governo não tem uma agenda clara para esses temas (desigualda­de e pobreza). Ele se apega a bandeiras que dão manchete, como o acordo do Mercosul com a União Europeia, que vai levar dez anos para ser concluído. Mas não enfrenta a redução de impostos, não revê as regras de conteúdo nacional.”

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FELIPE RAU/ESTADÃO-25/4/2018 Subsídio. Para Lisboa, as políticas sociais são importante­s para aliviar a extrema pobreza
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NA WEB ‘Dois Brasis’ Veja íntegra da reportagem estadao.com.br/e/desigualda­de

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