O Estado de S. Paulo

Transforma­ções da aposentado­ria

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Em todo o planeta megatendên­cias como a globalizaç­ão, a digitaliza­ção e as mudanças demográfic­as transforma­m aceleradam­ente as relações de trabalho. As plataforma­s digitais, por exemplo, criam novas conexões entre a oferta e a demanda de trabalho. As modalidade­s de trabalho atípicas, isto é, diversas do padrão assalariad­o em tempo integral, como aquelas em regime temporário, de meio período ou autônomas, estão proliferan­do. Nos países da Organizaçã­o para Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE) elas compreende­m hoje mais de um terço da força de trabalho. Isso implica desafios para todas as dimensões da proteção social, mas especialme­nte, por causa de seu impacto a longo prazo, para o sistema previdenci­ário. Não à toa o Panorama das Pensões 2019 da OCDE dedicou particular atenção ao problema da aposentado­ria para os trabalhado­res atípicos.

Os sistemas de seguridade social em geral foram projetados com base em modelos de carreira estável e linear e, portanto, estão mal equipados para fornecer proteção a trabalhado­res atípicos. Em média, eles recebem menos, enfrentam maior risco de desemprego e contribuem menos e de maneira mais intermiten­te para a aposentado­ria. Mesmo pressupond­o uma carreira completa com as respectiva­s contribuiç­ões, um autônomo se aposenta em média com 79% dos benefícios de seu similar assalariad­o.

“Os países deveriam dar ênfase à criação de aposentado­rias mais inclusivas e harmonizad­as para todos, mais do que numa mudança radical no planejamen­to e financiame­nto das aposentado­rias”, dizem os pesquisado­res. “O acesso a planos pessoais de aposentado­ria não deveria discrimina­r entre diferentes tipos de trabalhado­res, por exemplo, e as pessoas deveriam ser mais facilmente capazes de transferir seus direitos e ativos previdenci­ários ao mudarem de trabalho.”

Um dos desafios é combinar aposentado­rias contributi­vas – isto é, aquelas financiada­s pela contribuiç­ão de empregados, empregador­es (ou autônomos) e poder público – e não contributi­vas – financiada­s pelo poder público, seja diretament­e ou por meio de programas de seguridade social. Uma boa coordenaçã­o deveria garantir um nível razoável de proteção para os trabalhado­res atípicos, especialme­nte os mais pobres, bem como incentivá-los a contribuir para os sistemas de previdênci­a públicos e privados.

De um modo geral, segundo a OCDE, o caminho é maximizar a participaç­ão dos trabalhado­res atípicos nos sistemas previdenci­ários compulsóri­os. “Alinhar as regras de previdênci­a pelos tipos de trabalho implica que as taxas totais de contribuiç­ão sejam equalizada­s para todos os trabalhado­res.” Entre

outras coisas, incluir os trabalhado­res atípicos nos sistemas previdenci­ários compulsóri­os limita os eventuais incentivos financeiro­s que empregador­es e trabalhado­res possam ter para abusar do trabalho atípico a fim de reduzir custos do trabalho.

Promover a harmonizaç­ão implica remover ao máximo as barreiras para que os contratos de trabalho por meio período ou temporário­s, por mais curtos que sejam, sejam incluídos nos sistemas previdenci­ários. Em relação aos autônomos, ou “autoempreg­ados”, “o princípio guia deveria ser que eles paguem a mesma soma das contribuiç­ões do empregado e do empregador”. Para atingir realistica­mente o maior grau de equiparaçã­o com os assalariad­os, a sua base de contribuiç­ão deveria ser a renda tributável – embora o cálculo nem sempre seja simples, em razão das dificuldad­es de distinguir, no caso dos autônomos, entre a renda do trabalho e a do capital.

Num mundo em que as taxas de natalidade diminuem e as de longevidad­e aumentam rapidament­e, o bem-estar na velhice impõe uma agenda de intervençõ­es abrangente, que cubra educação, serviços públicos de emprego, proteção social e programas familiares. Mas “políticas que construam sistemas inclusivos e bem coordenado­s de aposentado­rias contributi­vas e não contributi­vas, públicas, ocupaciona­is e privadas” serão particular­mente essenciais.

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