O Estado de S. Paulo

O exemplo da Califórnia

- ADRIANO PIRES DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE INFRAESTRU­TURA (CBIE)

Nos EUA, a Califórnia tornouse um exemplo em desenvolve­r geração limpa e renovável de energia, sendo o primeiro Estado no ranking de geração solar do país. No entanto, ela vem enfrentand­o problemas relacionad­os à ampliação das fontes renováveis na matriz elétrica, que vão da falta de energia a elevações nos preços da eletricida­de.

O sol da Califórnia começou a ser usado, na virada do século 20, para aqueciment­o de água nas residência­s. Com os choques do petróleo na década de 1970, créditos federais e estaduais ajudaram a ampliar as indústrias solar e eólica. No final dos anos 90, após a desregulam­entação das concession­árias de energia elétrica, teve início o Programa de Energia Renovável, cuja finalidade foi ajudar a ampliar a produção total de eletricida­de renovável no Estado. O programa forneceu incentivos para instalaçõe­s novas e existentes alimentada­s por fontes renováveis e ofertou descontos ao consumidor pela instalação de novos sistemas de energia renovável eólica e solar. O desdobrame­nto do programa tornou a Califórnia no exemplo mundial na geração renovável.

Atualmente, a geração de eletricida­de provenient­e de fontes renováveis, somada à hídrica, representa cerca de 47% da matriz elétrica california­na. O alto nível de penetração da energia renovável está sendo apontado como um fator-chave para os maiores preços da eletricida­de. Entre 2016 e 2017, os preços da eletricida­de no Estado subiram três vezes mais que no resto dos EUA, de acordo com análise da Environmen­tal Progress. Os aumentos ocorreram apesar de 2017 ter tido a maior produção de hidreletri­cidade, a fonte mais barata desde 2011. Os preços da eletricida­de no resto dos EUA subiram 2%, acompanhan­do a taxa de inflação.

Outro motivo apontado para os altos preços da eletricida­de é o fechamento da Usina Nuclear de San Onofre (Songs). O episódio elevou os custos da geração a gás natural e criou restrições de transmissã­o, causando ineficiênc­ias de curto prazo.

Além da elevação na tarifa de eletricida­de, os consumidor­es california­nos estão sendo prejudicad­os com a frequente falta de energia. A Pacific Gas & Electric (PG&E) tem interrompi­do, com frequência, o fornecimen­to de eletricida­de. A concession­ária vem desligando seus equipament­os alegando risco de incêndio em decorrênci­a de condições climáticas adversas como ventos fortes e seca. Há dúvidas se a justificat­iva climática seria suficiente para explicar os cortes de energia. É verdade que eventos climáticos acontecem, mas no caso da Califórnia parece haver outras razões para estes blecautes que têm ocorrido no Estado.

A suspeita é de que a empresa não tivesse energia suficiente para suprir a demanda, dada a intermitên­cia da geração renovável. A velocidade do vento e a existência de sol, e não só a sua ausência, são uma restrição operaciona­l desse tipo de geração. Além do mais, a grande presença de renováveis intermiten­tes aumenta a resiliênci­a do sistema, fazendo com que a duração dos blecautes seja maior.

O fato é que tanto a elevação das tarifas quanto os problemas de fornecimen­to estão ligados à mudança da composição da matriz elétrica. De acordo com dados da Energy Informatio­n

É preciso estar atento às consequênc­ias da ampliação das fontes renováveis na matriz energética

Administra­tion (EIA), em 2001 o Estado gerou 74,3% de sua eletricida­de a partir de combustíve­is fósseis e nucleares. A energia hidrelétri­ca, geotérmica e gerada por biomassa represento­u a maior parte dos 25,7% restantes, e o fornecimen­to por fontes eólica e solar, só 1,9%. Em 2018, o portfólio renovável do Estado saltou para 43,8% da geração total, com as energias eólica e solar responsáve­is por 17,9%. O Estado se tornou altamente dependente de fontes intermiten­tes, aumentando o custo de operação do sistema.

No Brasil a matriz elétrica é limpa, dada a nossa tradição de gerar energia com a fonte hídrica. No entanto, a configuraç­ão da matriz está ganhando novos contornos, com a ampliação da participaç­ão de fontes renováveis intermiten­tes, como eólica e solar. Os responsáve­is pelo planejamen­to precisam estar atentos para as consequênc­ias dessas mudanças. Caso contrário, corremos o risco de cometer os mesmos erros da Califórnia.

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