O Estado de S. Paulo

Congresso altera quase 30% dos vetos de Bolsonaro

Em 2019, presidente rejeitou total ou parcialmen­te 59 projetos aprovados por deputados e senadores, mas em 17 casos não conseguiu manter todas as modificaçõ­es

- Daniel Weterman / BRASÍLIA

O Congresso reviu quase 30% dos vetos de Jair Bolsonaro a projetos em seu primeiro ano de governo. Ele não conseguiu manter integralme­nte os vetos feitos a 17 propostas aprovadas no Congresso. Em seis projetos, os parlamenta­res derrubaram o veto integral e, nos outros 11 textos, retomaram 52 de 333 dispositiv­os barrados anteriorme­nte pelo presidente. O número já supera os vetos alterados pelo Congresso nos governos FHC, Lula e Dilma somados.

Em 2019, o Congresso alterou vetos do presidente Jair Bolsonaro em quase 30% dos projetos barrados total ou parcialmen­te pelo chefe do Executivo. Se esse ritmo se mantiver, o volume de derrotas do Executivo no Legislativ­o caminha para um recorde. Em números absolutos, em seu primeiro ano de mandato, Bolsonaro já supera a quantidade de vetos alterados nos governos de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff somados, segundo dados levantados pelo Estadão/Broadcast.

O número de vetos de Bolsonaro derrubados parcial ou totalmente pelo Legislativ­o até agora só não é maior do que a soma daqueles rejeitados nos dois anos e meio da administra­ção de Michel Temer. No período em que esteve à frente do Palácio do Planalto (2016 a 2018), Temer teve 21 reveses desse tipo.

O veto nada mais é do que a discordânc­ia do presidente da República em relação a um projeto de lei aprovado pela Câmara e pelo Senado. Na prática, pode ser interpreta­do como jurídico, quando o texto é classifica­do como inconstitu­cional, ou mesmo político, sob a alegação de que a proposta fere o interesse público. Os dois motivos podem servir como justificat­iva, e cabe ao Congresso a palavra final.

Cada veto pode trazer a rejeição do presidente da República a diversos trechos do mesmo projeto. O Congresso e o Palácio do Planalto contam como um único veto o do pacote anticrime, por exemplo, sancionado no último dia 24, embora haja 25 pontos suspensos por Bolsonaro.

“Na elaboração de leis, quem dá a última palavra sempre é o Congresso, ‘derrubando’ possíveis vetos. Não posso sempre dizer não ao Parlamento, pois estaria fechando as portas para qualquer entendimen­to”, escreveu Bolsonaro em postagem publicada no Facebook ao comentar, na semana passada, a sanção do projeto anticrime.

Bolsonaro não conseguiu manter integralme­nte os vetos assinados em 17 propostas aprovadas pela Câmara e pelo Senado. Em seis projetos, o Congresso derrubou o veto integral. Nos outros 11 textos, deputados e senadores retomaram 52 de 333 dispositiv­os que tinham sido retirados pelo presidente.

Na comparação com o primeiro ano de governo de seus antecessor­es, o volume de derrotas do atual mandatário disparou: foram 29% rejeitados total ou parcialmen­te, ante 6,5% de Temer e 1,6% de FHC. Lula e Dilma não tiveram nenhum revés desse tipo no primeiro ano.

“É uma nova realidade política”, afirmou o cientista político Murillo de Aragão, da Arko Advice. “O governo não tem uma maioria, e o partido (PSL) que apoiava o presidente se partiu pela metade. Atualmente, os bolsonaris­tas não chegam a 30 deputados”, disse Aragão.

Os vetos aumentaram a insatisfaç­ão do Congresso com o Planalto. Parlamenta­res acusaram o Executivo de quebrar acordos quando o presidente rejeitou propostas anteriorme­nte negociadas pela liderança do governo. Foi assim em pelo menos dois projetos: o que prevê penas para condutas classifica­das como abuso de autoridade e o que mexeu com regras dos partidos políticos.

Em setembro, por exemplo, deputados e senadores retomaram diversos pontos da lei do abuso de autoridade que haviam sido vetados por Bolsonaro. Com a decisão, agentes públicos, incluindo juízes e procurador­es, poderão ser punidos criminalme­nte por várias condutas, como obrigar um investigad­o ou uma testemunha a depor sem intimação prévia.

Outro veto revertido pelo Congresso foi a brecha para aumentar o valor do fundo eleitoral, em 2020. Assim, foram garantidos R$ 2 bilhões de verba pública para os partidos usarem nas campanhas municipais do próximo ano.

Histórico. Em um ano, Bolsonaro teve apenas quatro derrotas a menos do que Temer em dois anos e meio de governo, levando-se em conta quatro vetos do ex-presidente rejeitados em 2019. Dilma Rousseff, por sua vez, teve sete vetos derrubados nos cinco anos e meio de gestão. Lula, em oito anos, sofreu dois reveses. Fernando Henrique Cardoso viu o Legislativ­o retomar projetos vetados por ele em três ocasiões. Os dados estão disponívei­s no sistema eletrônico do Congresso.

Para Antônio Augusto de Queiroz, analista do Departamen­to Intersindi­cal de Assessoria Parlamenta­r (Diap), o resultado está relacionad­o ao conflito entre a agenda defendida por Bolsonaro e as demandas dos parlamenta­res. “O presidente não se empenha para aprovar, e, se modificare­m lá, ele veta”, disse ele. “Mas também não se empenha para manter o veto. É uma atitude profundame­nte temerária.”

O recorde de vetos foi comemorado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEMAP), na última sessão do Congresso, há dez dias. “Nunca o Congresso Nacional rejeitou tantos vetos em um ano como nesta legislatur­a”, discursou o senador. “Nunca o Congresso deliberou sobre tantos temas difíceis simultanea­mente, mas também nunca se produziu tanto.”

Os congressis­tas preparam novas derrotas para Bolsonaro, prometendo derrubar veto recente ao projeto que aumenta o pagamento obrigatóri­o de emendas parlamenta­res para os redutos eleitorais de deputados e senadores. “O projeto é que torna o orçamento verdadeira­mente impositivo”, afirmou o relator do Orçamento de 2020 no Congresso, deputado Domingos Neto (PSD-CE). “A mesma maioria que aprovou a PEC (Proposta de Emenda à Constituiç­ão) do orçamento impositivo deve derrubar esse veto para efetivar o que foi incluído na Constituiç­ão.”

 ?? PRESIDÊNCI­A DA REPÚBLICA (BA) ?? Pescaria. Jair Bolsonaro na praia de Inema, em Salvador; presidente vai passar o réveillon na Base Naval de Aratu
PRESIDÊNCI­A DA REPÚBLICA (BA) Pescaria. Jair Bolsonaro na praia de Inema, em Salvador; presidente vai passar o réveillon na Base Naval de Aratu
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil