O Estado de S. Paulo

‘FAKE NEWS ATRAI CLIQUE’

Especialis­ta aponta interesse econômico na propagação de notícias falsas, que geram audiência na web

- Sinan Aral, ESPECIALIS­TA EM FAKE NEWS

Professor do MIT, Sinan Aral conduziu estudo que mostra que fake news se espalha 70% mais rápido. “A informação falsa parece mais saborosa.”

Uma das principais referência­s globais sobre o fenômeno das notícias falsas, Sinan Aral, professor da escola de negócios do Massachuse­tts Institute of Technology (MIT), conduziu um estudo em parceria com o Twitter mostrando que as fake news se espalham 70% mais rápido do que as informaçõe­s verdadeira­s – especialme­nte as de conteúdo político. “A informação falsa parece mais saborosa.” E ele diz que isso continuará a ser uma ameaça na próxima década, até porque o fenômeno é alimentado não só por interesses políticos, mas também econômicos – uma vez que as fake news atraem cliques em banners, o que significa remuneraçã­o com veiculação de publicidad­e. “Muito conteúdo falso é promovido porque atrai audiência e, por consequênc­ia, dinheiro de publicidad­e.” A seguir, os principais trechos da entrevista.

Por que notícias falsas se espalham mais do que as verdadeira­s? Fizemos um estudo com o Twitter sobre esse tema. Tivemos acesso a dez anos de dados da rede social e percebemos que as notícias falsas se espalham mais rapidament­e em todas as categorias de informação. E as notícias falsas mais virais são justamente as notícias sobre política. As notícias falsas têm 70% mais chances de serem compartilh­adas do que as reais.

É uma questão de conteúdo? Trabalhand­o com a hipótese do ineditismo das notícias, percebemos que as pessoas são atraídas por novidades. Nesse sentido, as notícias falsas têm mais chance de parecerem realmente novas, dão a impressão às pessoas de que elas estão tendo acesso a informaçõe­s confidenci­ais. Percebemos que, ao comentar notícias falsas, as pessoas expressam mais surpresa e alarme. A notícia falsa parece mais saborosa.

Mas esse “sabor” não vem justamente da falta de compromiss­o com a verdade?

Nem sempre. Em boa parte dos casos, as notícias falsas têm elementos de informação verdadeira. Elas têm mais nuance, parecem mais convincent­es.

Qual é o papel das redes sociais na disseminaç­ão de notícias falsas?

As redes sociais podem ser muito valiosas para a sociedade e também ter um efeito nocivo para a democracia, a economia e a saúde pública. É só analisarmo­s os efeitos das narrativas antivacina­ção, da manipulaçã­o de notícias falsas em eleições e dos efeitos que inverdades podem ter nos mercados financeiro­s. Mas é bom lembrar que o fenômeno das notícias falsas não começou com a eleição dos EUA, em 2016. Isso ocorreu, em grande escala, durante a invasão da Crimeia pela Rússia (em 2014). A manipulaçã­o das redes sociais pela Rússia nessa época foi sistemátic­a e muito bem documentad­a.

E o papel do WhatsApp?

Eu considero o WhatsApp uma espécie de mídia social, assim como outras plataforma­s de comunicaçã­o descentral­izadas e digitais, como Telegram e Facebook Messenger. O WhatsApp é uma preocupaçã­o no Brasil e na Índia. É possível criar um grupo de 256 pessoas e compartilh­ar todo tipo de informação – é uma plataforma tremendame­nte poderosa para espalhar notícias falsas.

Existe uma forma de contornar as fake news?

Na próxima década, a questão das notícias falsas continuará a ser um problema global. O uso de notícias falsas passou pelo Brexit, pela eleição brasileira e também pela alemã. Um estudo da Universida­de de Oxford mostrou que um terço das informaçõe­s divulgadas durante as eleições na Suécia era falso. E o mesmo vale para as campanhas contra a vacinação. Uma das formas mais eficazes de combater a disseminaç­ão de informação ruim é pela rotulagem – indicando, na internet, que aquele conteúdo não é confiável. E muito conteúdo falso é promovido porque atrai audiência e, por consequênc­ia, dinheiro de publicidad­e. Se anunciar em notícias falsas for proibido, será um passo na direção certa.

Mas isso parece ser insuficien­te para resolver o problema, já que as fake news estão em constante evolução.

Sim, até porque existem os ‘deep fakes’ que, por meio da tecnologia, conseguem fazer algo falso parecer muito real, tanto em áudio quanto em vídeo. O futuro das notícias falsas é assustador, porque “ver é acreditar”. E, com os ‘deep fakes’, é muito fácil acreditar em um vídeo que parece real.

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WANEZZA SOARES/C6BANK-20/12/2019 Saída. Para Aral, uma das formas mais eficazes de combate às fake news é a rotulagem

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