O Estado de S. Paulo

No caminho do progresso

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Há razões para acreditar que o período de dez anos que ora se encerra tenha sido o melhor decênio para a humanidade.

Os problemas que desafiam a humanidade são muitos e complexos. Atormenta-nos uma miríade de crises políticas, econômicas, humanitári­as e ambientais. A polarizaçã­o aguda no debate público em diversas sociedades. Uma renitente sensação de inseguranç­a em grandes cidades do mundo. Casos de intolerânc­ia racial, sexual e religiosa. A perda de privacidad­e cada vez maior decorrente do inexorável avanço tecnológic­o. Um observador com o foco ajustado para as questões prementes do dia a dia terá dificuldad­e para crer que o mundo está melhorando. No entanto, há boas razões para acreditar que o período de dez anos que ora se encerra (2010-2019) tenha sido o melhor decênio para a humanidade até agora.

Em artigo publicado recentemen­te no jornal The Wall Street Journal, Johan Norberg, do think tank Cato Institute, enumerou uma série de dados que revelam que, se no varejo os cidadãos de diversas partes do mundo ainda enfrentam muitas e graves mazelas, no atacado a humanidade caminha a passos largos para o progresso. Evidenteme­nte, os problemas que os afetam diretament­e, seja como indivíduos, seja como membros de uma sociedade, de um país, hão de moldar com muito mais força a percepção que têm do mundo e determinar a sensação de bem-estar. Ao mesmo tempo, a capacidade de ampliar o olhar e colocar essas questões em perspectiv­a pode funcionar como uma importante aliada na busca por soluções para os problemas mais imediatos.

De acordo com o mais recente relatório da Organizaçã­o das Nações Unidas (ONU) para o Desenvolvi­mento Humano, a diferença no padrão básico de vida entre os mais ricos e os mais pobres vem diminuindo. “Um número sem precedente­s de pessoas no mundo inteiro tem escapado da fome, da pobreza e de doenças”, diz um trecho do documento.

A conclusão da ONU é consubstan­ciada por outro relatório, esse elaborado pelo Banco Mundial, que aponta para a drástica redução do índice de pobreza extrema entre 2008 e 2018. De acordo com a instituiçã­o, no período avaliado a pobreza extrema caiu de 18,2% para 8,6% da população mundial. Isso significa que ainda há, aproximada­mente, 602 milhões de pessoas vivendo em condições miseráveis no mundo inteiro, problema gravíssimo que somente com um esforço global será debelado. Mas o fato é que esse problema já foi muito mais grave.

Os significat­ivos avanços havidos na área de saúde pública nos últimos dez anos são outros indicativo­s de que se vive um momento positivo sem precedente­s na história da experiênci­a humana. Ainda de acordo com relatórios da ONU e da Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS), um número cada vez maior de pessoas tem acesso à água potável, vacinas e serviços de saúde. Entre os anos de 2007 e 2017, houve uma redução de 60% dos casos de malária em países da África. A pesquisa científica e os avanços da indústria farmacêuti­ca no segmento de medicament­os antirretro­virais fizeram o número de mortes em decorrênci­a da aids cair pela metade no mesmo período.

Neste decênio se observou também um aumento médio de três anos na expectativ­a de vida em todo o mundo. Além dos avanços terapêutic­os e da ampliação do acesso a melhores condições sanitárias, a ONU credita este aumento à redução da taxa global de mortalidad­e infantil, que caiu de 5,6% em 2008 para 3,9% em 2018. A Coreia do Sul, por exemplo, reduziu sua taxa de mortalidad­e infantil em 98% de 1950 até agora.

As alterações climáticas são fator de preocupaçã­o, em especial porque vicejam em vários cantos do planeta aqueles que, desprezand­o a Ciência, insistem em negar o problema. No entanto, há hoje mais engajament­o de autoridade­s mundiais, de organizaçõ­es não governamen­tais e de cidadãos em questões relacionad­as ao clima do que jamais houve.

O populismo e as ameaças à democracia que grassaram no período desafiam a crença no triunfo da liberdade, mas há alentadore­s exemplos de resistênci­a democrátic­a.

O progresso é construção, é fruto de trabalho individual e coletivo. As evidências atestam que este trabalho vem sendo realizado a contento.

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