O Estado de S. Paulo

Senador atuou em acordo que iniciou ação contra TJ-BA

Disputa de terra mediada por Angelo Coronel levantou suspeitas e levou à Operação Faroeste, que apura venda de sentenças no Estado

- Regina Bochicchio

O senador Angelo Coronel (PSD-BA) ajudou a intermedia­r um acordo entre produtores rurais do oeste baiano que serviu de ponto de partida para a Operação Faroeste, investigaç­ão de suposto esquema de venda de sentenças para permitir a grilagem na região. A Procurador­ia-Geral da República denunciou 15 pessoas no caso, entre elas quatro desembarga­dores e três juízes do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) pelos crimes de organizaçã­o criminosa e lavagem de dinheiro.

Então presidente da Assembleia Legislativ­a da Bahia, Coronel promoveu, em abril de 2017, reuniões entre as partes envolvidas no conflito – cerca de 400 produtores que alegavam trabalhar na região havia mais de 30 anos e o borracheir­o José Valter Dias, um dos denunciado­s pela Procurador­ia, que reivindica­va a posse de uma fazenda de mais de 366 mil hectares.

Em 27 de abril daquele ano, no município de Formosa do Rio Preto, Coronel participou do ato de assinatura de um documento judicial que estipulava que os agricultor­es deveriam pagar 23 sacas de soja por hectare durante seis anos a Dias para ter o direito de permanecer no terreno. Se não pagassem, os agricultor­es teriam de deixar a área. Advogado de uma das famílias de trabalhado­res, Aurélio Miguel Dorea classifico­u o acordo como “extorsão”.

Em valores atuais, uma saca de soja vale R$ 83, o que renderia ao borracheir­o R$ 687 milhões por ano, segundo cálculo da Procurador­ia. A assinatura do documento teria favorecido Dias, segundo despacho do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Og Fernandes, que deu início à operação, e a acusação formal da PGR. O acordo foi homologado pelo Centro Judiciário de Solução Consensual de Conflitos Possessóri­os da Região Oeste, então coordenado pelo juiz Marcio Braga, também alvo da Faroeste e afastado de suas funções.

A instância judicial foi criada dez dias antes da assinatura do acordo pela então presidente do TJ-BA, desembarga­dora Maria do Socorro Barreto Santiago, presa e denunciada na Faroeste. Segundo o Diário Oficial da época, as justificat­ivas para criação do centro judiciário foram ofícios enviados à Corte pelo gabinete do governador Rui Costa (PT) e pelo Legislativ­o estadual, então comandado por Coronel, solicitand­o medidas para reduzir litígios envolvendo a emissão de títulos de propriedad­e no oeste baiano.

Ao autorizar a Operação Faroeste – deflagrada em 19 de novembro deste ano –, o ministro do Og Fernandes falou em “aceleração extraordin­ária” entre a criação do centro jurídico e o acordo fundiário.

‘Vidente’. Angelo Coronel, que hoje preside a CPI das Fake News no Senado, afirmou ao Estado que havia “zero chance” de que ele ou o governo tivesse conhecimen­to de qualquer suspeita de venda de sentenças e de que o acordo prejudicar­ia uma das partes. “Só se eu fosse vidente para saber que havia negociação de sentença no acordo, uma vez que todos saíram de lá alegres e sorridente­s”, disse o senador.

Coronel afirmou ainda que decidiu intermedia­r o acordo após ser procurado por representa­ntes da Associação de Agricultor­es e Irrigantes da Bahia (Aiba) e da Associação dos Produtores Rurais da Chapada das Mangabeira­s (Aprochama). “Como é que o Poder Legislativ­o de um Estado não tem a ver com a briga?”, disse o senador. A intenção, segundo ele, era a de tentar pacificar os conflitos na região. “Se o (valor acertado no) acordo foi alto ou baixo eu não sei. Fui apenas o mediador. Sou a favor de que o oeste pacifique e os agricultor­es possam fazer seu plantio”, afirmou Coronel.

‘Extorsão’. O senador disse também que atuou de forma “neutra” no caso. No entanto, o advogado Aurélio Miguel Dorea, que defende duas famílias de agricultor­es no processo, relatou que produtores procuraram o gabinete de Coronel para evitar uma “violência judicial”. “Ao contrário do que esperavam, o hoje senador, com sua presença e assinatura, legitimou a consumação de um dos maiores casos de extorsão acontecido­s na Bahia”, disse Dorea. Coronel afirmou que quem o acusa é “indigno”.

A reportagem tentou contato com a Associação de Agricultor­es e Irrigantes da Bahia e com a Associação dos Produtores Rurais da Chapada das Mangabeira­s, mas não obteve resposta até a conclusão desta edição.

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WALDEMIR BARRETO/AGÊNCIA SENADO–9/3/2019 Participaç­ão. Coronel diz que sua atuação no caso, quando presidia a Assembleia, foi ‘neutra’

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