O Estado de S. Paulo

Xiitas querem fim da elite política de Bagdá

Sistema chegou ao poder após queda de Saddam Hussein com apoio dos mesmos xiitas que agora protestam nas ruas

- NAJAF, IRAQUE / W.POST, TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Durante semanas, o centro nevrálgico dos xiitas no Iraque se revoltou abertament­e contra o governo central, contestand­o um sistema que os próprios xiitas apoiaram. De respaldo confiável da elite de Bagdá, eles se transforma­ram numa voz poderosa da oposição.

A maioria muçulmana xiita iraquiana tem sido o sustentácu­lo da liderança em Bagdá desde a invasão americana que derrubou Saddam Hussein. As províncias xiitas ao longo do sul do Iraque votaram em políticos xiitas e apoiaram os líderes quando estes enfrentara­m a insurgênci­a sunita e enviaram milhares de homens para lutar contra o Estado Islâmico (EI).

Mas agora os xiitas iraquianos, cansados da pobreza em que vivem, enfurecido­s com a corrupção e frustrados, vêm combatendo o sistema que ajudaram a construir.

Manifestan­tes antigovern­o ocuparam praças e pontes, bloquearam estradas e queimaram ou saquearam prédios governamen­tais, inclusive missões diplomátic­as pertencent­es ao Irã xiita, que tem vínculos estreitos com a liderança iraquiana.

Em Najaf e Nasiriyah, ao sul do país, forças de segurança mataram inúmeros manifestan­tes num único dia, no mês passado – no âmbito dessa rebelião que desde outubro já provocou mais de 500 mortes e forçou o primeiro-ministro a renunciar.

Uma demonstraç­ão de cólera que, se continuar, poderá virar de cabeça para baixo o sistema instalado desde a invasão americana em 2003 e possivelme­nte reformular o futuro político do Iraque, cujas minorias árabes sunitas e curdas foram amplamente marginaliz­adas.

Os manifestan­tes demandam desde uma reforma da lei eleitoral até a abolição dos partidos políticos e o fim da corrupção. O slogan do movimento – “Queremos uma pátria!” sublinha seu profundo sentimento de alienação. Mas o Estado iraquiano vem reagindo com uma demonstraç­ão de força própria.

Nas últimas semanas pelo menos meia dezena de ativistas foram atacados por pistoleiro­s mascarados e em ataques à bomba em Bagdá e outras cidades do sul. Segundo os manifestan­tes, os políticos e comandante­s apoiados pelo Irã, incluindo as milícias xiitas que combatem o EI, enriquecer­am com um esquema de compartilh­amento que sustenta a ordem política e divide os ganhos com as pilhagens entre os partidos no poder. Ministério­s de governo são tratados como feudos, dizem os manifestan­tes, e muito pouco é oferecido aos cidadãos comuns.

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