O Estado de S. Paulo

Rumo ao real conversíve­l

- CLAUDIO ADILSON GONÇALEZ ECONOMISTA, DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORE­S, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁ­RIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

Os mais jovens provavelme­nte não sabem, mas até meados da década de 90, do século passado, os brasileiro­s que viajassem para o exterior eram forçados a pagar todas as suas despesas com dinheiro vivo. Nossos cartões de crédito não eram aceitos fora do País. Além disso, como os limites para aquisição de moeda estrangeir­a eram baixos, em geral recorria-se ao mercado paralelo, o famoso black.

Este é apenas um exemplo que ilustra bem os rígidos controles então vigentes na conta de capital de nosso balanço de pagamentos. Em linguagem menos técnica, estamos falando do grau de flexibilid­ade para liquidar operações em moeda estrangeir­a com o resto do mundo.

Dessa época para cá, muito se avançou na simplifica­ção cambial e no aumento da mobilidade de capital no Brasil. Desde que os recursos tenham origem lícita e sejam declarados ao Fisco, não há limites para enviar dinheiro ao exterior, inclusive para os residentes manterem conta em bancos internacio­nais. Várias facilidade­s foram criadas para exportador­es e importador­es movimentar­em recursos externos, entre outras medidas liberaliza­ntes.

No entanto, em comparaçõe­s internacio­nais, o grau de mobilidade de capital brasileiro ainda é baixo. De acordo com o Fraser Institute, um renomado think tank canadense, numa escala de 0 a 10, em que 0 significa total controle do fluxo de capitais e 10, mobilidade perfeita, a nota brasileira é 2,3. Há que abrir a conta de capital, mas com muita cautela, principalm­ente em países emergentes com instituiçõ­es fracas e muita instabilid­ade macroeconô­mica, de modo a reduzir a volatilida­de cambial e evitar ataques especulati­vos.

Não se pode desconhece­r, contudo, que, quanto menor a mobilidade de capital, tudo o mais constante, maior será a taxa de juros interna de equilíbrio, a chamada taxa neutra, decorrente de custos de transação em operações internacio­nais e da percepção de maior risco de convertibi­lidade de reais em moedas fortes.

Além dessa baixa mobilidade, as normas cambiais brasileira­s são complexas e grande parte delas, ultrapassa­da. Muitas foram desenvolvi­das em períodos de severas restrições para nosso balanço de pagamentos e antes da adoção do regime de taxas flutuantes de câmbio. Isso dificulta a vida de exportador­es e importador­es, aumenta o custo de captação de recursos no exterior e torna o País menos atrativo para os investimen­tos estrangeir­os.

Para sanar esses problemas, é muito bem-vindo o Projeto de Lei (PL) 5.387/19, tecnicamen­te elaborado pelo Banco Central (BC), em tramitação na Câmara dos Deputados, que institui um marco legal moderno, mais simples, com menos burocracia e maior segurança jurídica para quem realiza operações internacio­nais.

O PL também dá poderes ao BC para que, gradualmen­te e com segurança, promova liberação das operações cambiais, que deve resultar, no médio prazo, na transforma­ção do real em moeda conversíve­l. Nesta linha, destacam-se a possibilid­ade de não residentes terem acesso ao mercado de crédito doméstico em reais, aumentando os canais de financiame­nto de projetos de investimen­tos, a maior liberdade para a movimentaç­ão

É bem-vindo o Projeto de Lei 5.387/19, tecnicamen­te elaborado pelo BC, em tramitação na Câmara

de contas em reais no exterior pelos residentes e a autorizaçã­o, mediante normas a serem expedidas pelo BC, para residentes (pessoas físicas e jurídicas) manterem contas bancárias domésticas denominada­s em moeda estrangeir­a, a exemplo do que já ocorre em boa parte do mundo.

A conversibi­lidade de uma moeda não se consegue por decreto, pois depende do aumento da confiança internacio­nal na economia brasileira, e isso só ocorrerá com o avanço das reformas estruturai­s que ponham em ordem as finanças públicas e promovam as condições para o cresciment­o econômico sustentado. No entanto, as normas cambiais precisam ser suficiente­mente flexíveis para não servirem de entrave ao avanço deste processo, e esse é o maior mérito do PL.

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