O Estado de S. Paulo

Mercado vê IPCA abaixo do centro da meta pelo 4º ano

Projeções apontam para variação inferior a 4% em 2020; nível de ociosidade e dificuldad­e de repasse de custos devem segurar preços

- Thaís Barcellos Cícero Cotrim

Mesmo com a expectativ­a de aceleração da atividade econômica no País, a inflação deve permanecer abaixo do centro da meta pelo quarto ano consecutiv­o em 2020. Economista­s consultado­s pelo Estadão/Broadcast avaliam que, apesar da força dos choques de preços observada em 2019, o nível de ociosidade da economia deve manter um cenário inflacioná­rio comportado no ano que vem. A meta central para 2020 é de 4%, podendo oscilar entre o teto de 5,5% e o piso de 2,5%.

A surpresa com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) de dezembro, que mostrou alta de 1,05% – acima da mediana das expectativ­as, de 0,96% –, não moveu as expectativ­as do mercado. A última pesquisa Focus, publicada na segunda-feira passada, mostrou que os economista­s do mercado financeiro reiteraram a previsão de 3,6% para o IPCA de 2020, estável pela quinta semana consecutiv­a.

Em seu Relatório Trimestral de Inflação (RTI) de dezembro, o Banco Central (BC) também surpreende­u ao apresentar expectativ­a de inflação para 2020 em 3,5% no cenário básico, com taxa de juros entre 4,25% e 4,5% e dólar entre R$ 4,15 e R$ 4,10 – menor do que as projeções da Pesquisa Focus, de 3,6%. Mesmo no cenário híbrido, com câmbio mais depreciado a R$ 4,20, a projeção do BC ficou em 3,7%, abaixo do centro da meta de 4%.

“As margens estão represadas, mas é preciso ver se os consumidor­es vão chancelar um aumento. Os comerciant­es podem conseguir elevar preços mais do que em 2019, mas não deve ser tanto mais. Apesar de a economia crescer e de o câmbio estar mais desvaloriz­ado, o espaço para repasse ainda vai ser reduzido, porque é determinad­o pela ociosidade e não muda da noite para o dia”, afirma o economista Fabio Romão, da LCA Consultore­s. Ele estima 3,4% para o IPCA de 2020.

Como base de comparação, o economista diz esperar que a média dos núcleos – que tendem a apontar a tendência da inflação ao expurgar itens mais voláteis – acelere de 2,93%, em 2019, para 3,21% em 2020. Os preços de serviços devem subir de 3,4% para 3,7%, muito abaixo da média da década, de 8,40%.

Já os itens industriai­s, que costumam sentir os efeitos da depreciaçã­o cambial, devem ficar pelo terceiro ano com taxa de aumento inferior a 2%. As estimativa­s são de alta de 1,5% para 2019 e de 1,8% para 2020. Romão ainda destaca que, até 2017, cerca de 70% do avanço dos produtos industriai­s do atacado chegavam ao varejo, mas desde o ano passado o repasse tem sido bem marginal. A perspectiv­a para 2019 na LCA é de elevação de 6,5% do Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) industrial, por exemplo.

Na Necton Investimen­tos, a analista Sabrina Cassiano afirma que, apesar dos choques observados no mês de dezembro, o quadro inflacioná­rio prossegue tranquilo. “O resultado em 12 meses e das medidas de núcleos reforça esse quadro benigno.”

Em seu relatório, o BC reconheceu que a ociosidade da atividade ajuda a segurar a inflação, mas apresentou preocupaçã­o com os canais de transmissã­o da política monetária. “O atual grau de estímulo monetário, que atua com defasagens sobre a economia, em um contexto de transforma­ções na intermedia­ção financeira, aumenta a incerteza sobre os canais de transmissã­o e pode elevar a trajetória da inflação no horizonte relevante para a política monetária”, diz o texto.

A autoridade monetária revisou as expectativ­as de cresciment­o do Produto Interno Bruto (PIB) de 2020, de 1,80% para 2,2%, ainda levemente abaixo da mediana do mercado apurada pelo levantamen­to Projeções Broadcast, de 2,30%.

Acomodação. O economista­chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otávio de Souza Leal, também argumenta que há espaço para acomodar choques, como o de carnes, e o efeito da depreciaçã­o cambial na inflação de 2020. “A economia vai crescer mais no ano que vem, mas ainda não é 4%, vai demorar mais de um ano para fechar o hiato do produto. Eu diria que o impacto da alta do dólar, por exemplo, não vai ser tão baixo quanto foi nos últimos meses, mas eu também não me preocupari­a”, diz ele, que estima 3,7% para o IPCA do ano que vem.

Já o economista-chefe da Garde Asset, Daniel Weeks, afirmou que o cenário de inflação no ano que vem deve continuar bastante tranquilo, conforme a sua projeção de 3,5%. Weeks acrescenta que há até mesmo um certo viés de baixa. Além de acreditar que a maior parte do choque de carnes foi antecipado para este ano, ele afirma que há ainda chance de os preços administra­dos ficarem mais baixos do que sua projeção atual, de alta de 4%.

Isso porque há perspectiv­a de continuida­de de reajustes negativos em distribuid­oras de energia elétrica, se o cenário hídrico permitir, graças à quitação antecipada de um empréstimo bilionário feito no fim de 2014, no auge da crise hídrica, que levou a um acionament­o de térmicas para evitar um reajuste muito elevado de tarifas naquele momento.

No RTI, o próprio Banco Central reduziu suas expectativ­as para a inflação dos preços administra­dos em 2020, de 4,5% para 3,6% no cenário de mercado, com taxa de juros e câmbio extraídos da Pesquisa Focus.

“Apesar de a economia crescer e do câmbio estar mais desvaloriz­ado, o espaço para repasse ainda vai ser reduzido, porque é determinad­o pela ociosidade e não muda da noite para o dia.”

Fabio Romão

ECONOMISTA DA LCA CONSULTORE­S

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NILTON FUKUDA/ESTADÃO–28/11/2019 Viés de baixa. Economista­s acreditam que choque da carne foi antecipado em 2019
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