O Estado de S. Paulo

O dilema dos grupos espanhóis na América Latina

Para alguns, a região já não é uma terra de oportunida­des, mas sim um desvio no caminho

- / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZ­OU © 2019 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

Este é um ano de aniversári­os pungentes na relação entre a Espanha e a América Latina. Exatamente 500 anos atrás, Hernán Cortés se lançou à conquista do México. Em 1939, o presidente mexicano de esquerda Lázaro Cárdenas abriu as portas do país para os espanhóis que fugiam do fascismo no fim da guerra civil. E poderia ter sido um ano de comemoraçã­o para as empresas espanholas também.

Em 1989, a Telefónica, a maior empresa de telecomuni­cações da Espanha, fez sua primeira incursão na América Latina ao entrar em um leilão do setor no Chile, desencadea­ndo uma enxurrada de investimen­tos espanhóis sobre a região na década de 90 que ficou conhecida como “la reconquist­a”. Mas este ano tem sido de protestos e turbulênci­a econômica na região. É muito eloquente o fato de, 30 anos depois de fincar a bandeira no continente, a Telefónica decidir estancar suas perdas nas antigas colônias espanholas e se dispor a vender seus negócios por lá.

A nova estratégia da Telefónica, anunciada no fim de novembro, faz parte de um redirecion­amento da empresa, concebido por seu chefe, José María Álvarez-Pallete. Seu valor de mercado caiu quase pela metade nos últimos cinco anos, para ¤ 35 bilhões (US$ 39 bilhões). A empresa tem uma enorme dívida líquida de ¤ 38 bilhões. E, assim como todas as empresas globais de telecomuni­cações, enfrenta o desafio de oferecer aos clientes velocidade­s muito mais rápidas por 5G e mais serviços digitais. Como resultado, ela planeja focar novamente em quatro mercados principais (Espanha, Brasil, Alemanha e Grã-Bretanha) e criar negócios digitais e de infraestru­tura separados. Em 4 de dezembro, a Orange, sua rival francesa, anunciou planos semelhante­s para se reinventar para a era digital.

No entanto, é mais provável que a Telefónica venda seus negócios na Argentina, Colômbia, México, Chile, Peru e outros países hispano-americanos. Eles representa­m 21% de sua receita. A venda, que poderia arrecadar ¤ 13 bilhões ou mais, significar­ia uma reviravolt­a histórica que certamente repercutir­ia nas salas de diretoria da Espanha. A exemplo da Telefónica, bancos, companhias de energia e outras empresas espanholas têm motivos para agonizar com o lento cresciment­o e a volatilida­de das moedas do outro lado do Atlântico. Suas indústrias também estão sofrendo com a disrupção tecnológic­a. Para alguns, a América Latina já não é uma terra de oportunida­des, mas sim um desvio no caminho.

Durante anos, os espanhóis celebraram o renascimen­to de seus laços imperiais com o Novo Mundo. Quando os países latino-americanos começaram a liberaliza­r suas economias, no fim dos anos 80, a Espanha era um país com população escassa, empresas voltadas para o interior e urgência para se globalizar. Poucos europeus acreditava­m que o país cumpriria seu objetivo de se tornar uma ponte para a América Latina. No entanto, como lembra Lourdes Casanova, da Universida­de Cornell, suas empresas precisavam criar escala rapidament­e, para resistir a outras empresas europeias que as sufocavam. A América Latina ajudou a transforma­r empresas espanholas em empresas globais.

Em poucas décadas, a Espanha se tornou o segundo maior investidor estrangeir­o na região, depois dos Estados Unidos. Hoje suas empresas têm investimen­tos no valor de ¤ 156 bilhões. As maiores – como Telefónica, Santander e BBVA no setor bancário, Iberdrola em serviços públicos e Repsol em petróleo e gás – foram responsáve­is por grande parte do investimen­to espanhol na região. O idioma compartilh­ado – até mesmo com o portunhol, aceitável no Brasil – possibilit­ou que elas operassem serviços em locais onde as telecomuni­cações, os bancos e os serviços públicos estavam irremediav­elmente atrasados. Os lucros da América Latina durante o boom das commoditie­s ajudaram as empresas espanholas a atravessar a crise financeira de 2008-09.

Mas essa é apenas metade da história. Em 1990, depois de não vencer o lance pela Telmex, o monopólio mexicano de telecomuni­cações que transformo­u Carlos Slim em um dos homens mais ricos do mundo, a Telefónica pagou demais em outros lugares, afundando mais de ¤ 140 bilhões na região, uma fortuna em comparação ao que os ativos valem agora. O passeio desde então foi uma montanha-russa. Desde a crise da tequila no México em 1994-95, passando pelas megadesval­orizações e revoluções políticas no Brasil e Argentina, até a ditadura de esquerda na Venezuela, os investidor­es espanhóis fizeram um curso intensivo em gestão de desastres.

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ALBERT GEA/REUTERS Telefónica. Valor de mercado caiu quase 50% nos últimos cinco anos
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