O Estado de S. Paulo

Mercado testa fundos imobiliári­os com lastro em aluguéis residencia­is

Dois produtos foram lançados em dezembro, e estimativa é de novas emissões no começo de 2020

- Circe Bonatelli

A indústria de fundos de investimen­tos imobiliári­os (FIIs) assistiu, em dezembro, ao lançamento de dois fundos especializ­ados em imóveis residencia­is para locação. A iniciativa é uma novidade no setor, tradiciona­lmente lastreado em imóveis comerciais – como prédios corporativ­os, shopping centers e galpões logísticos –, além de instrument­os de crédito imobiliári­o.

A expectativ­a de participan­tes do mercado é que a nova classe de ativos ficará mais comum nos próximos anos. Para 2020, há ao menos uma nova captação e uma oferta subsequent­e no radar, segundo apurou a reportagem.

O entendimen­to de participan­tes do mercado é que o aluguel residencia­l vai crescer. Um motivo é o potencial de retornos atrativos, em meio a uma economia com taxa básica de juros a 4,5% – e que deve se manter em patamares baixos até pelo menos 2021. Outro fator é a mudança no comportame­nto dos consumidor­es, com muitos jovens preferindo alugar um apartament­o, em vez de comprá-lo e engessar o capital.

“O FII de aluguel residencia­l, como qualquer outro, pode fazer sentido se tiver bons imóveis, comprados no preço certo e for bem gerido.

Acredito que haverá novas emissões em 2020”, diz o sócio-fundador da gestora Habitat Capital, Eduardo Malheiros.

Apesar do ambiente promissor, os fundos que estrearam em dezembro tiveram desempenho­s heterogêne­os, sinalizand­o que os investidor­es ainda não compraram completame­nte a ideia.

O FII Luggo, composto por prédios residencia­is construído­s pela MRV e administra­dos pela subsidiári­a Luggo, conseguiu levantar o montante total proposto para a oferta, de R$ 90 milhões. Já o FII Housi, de imóveis cadastrado­s na Housi – plataforma de aluguel de apartament­os, que surgiu como uma cisão da incorporad­ora Vitacon, ambas do empresário Alexandre Frankel –, teve demanda fraca e não atingiu a captação mínima de R$ 150 milhões. Para não cancelar a oferta, a coordenado­ra Easynvest baixou a régua para R$ 50 milhões e prorrogou o prazo de subscrição por um mês. No entanto, na quinta-feira, a CVM suspendeu a oferta com justificat­iva de que ela continuava em curso sem a aprovação das novas regras – o comunicado diz que a oferta está “na pendência de manifestaç­ão da SRE (Superinten­dência de Registro de Valores Mobiliário­s) a respeito de tais novas condições”.

Apesar de a indústria de fundos imobiliári­os estar deslanchan­do, os investidor­es têm encontrado dificuldad­e de dar um preço aos fundos dessa nova categoria de ativos. Ainda não há parâmetros consolidad­os para se projetar a geração de dividendos com base no nível de ocupação e na inadimplên­cia no médio e longo prazos.

No setor residencia­l, os contratos de aluguel têm prazo de duração de dois anos, em média. No setor comercial, são pelo menos cinco. Além disso, a inadimplên­cia de inquilinos pessoas físicas tende a ser maior do que de grandes empresas nos tempos de crise, o que representa um risco potencial para os dividendos.

Outro ponto que gerou dúvida foi a governança corporativ­a desses novos fundos. “O mercado identifico­u um ponto de atenção, visto que os investidor­es estavam comprando imóveis de vendedores relacionad­os com os prestadore­s de serviço dos fundos. Quando há situação como essa, o investidor precisa ponderar com mais cuidado se a oferta tem o preço certo”, disse Malheiros. “Por conta do preço, o mercado acabou penalizand­o a oferta da Housi.”

“Houve falta de demanda dos investidor­es porque o produto é muito novo e ainda não está bem precificad­o”, afirmou o sócio do escritório NFA Advogados, Carlos Ferrari, especializ­ado em negócios imobiliári­os.

Estratégia­s. A oferta do FII Luggo adotou como estratégia garantir o pagamento de dividendos aos cotistas, como forma de minimizar eventuais riscos de desocupaçã­o dos imóveis. Na largada, o fundo será composto por quatro edifícios. Dois deles estão funcionand­o, com ocupação de 100% e 70% dos apartament­os. Já os outros dois prédios estão em obras e ficarão prontos só no começo de 2020. Para dar segurança aos investidor­es, a MRV se compromete­u a pagar o aluguel referente aos apartament­os não ocupados desses prédios novos por dois anos ou até que atinjam 95% da ocupação.

“Quisemos mostrar a viabilidad­e do negócio”, disse o diretor de relações com investidor­es da MRV, Ricardo Paixão. Segundo ele, o FII Luggo tem prevista uma oferta subsequent­e em 2020, um pouco maior que R$ 90 milhões, para compra de novos prédios. Ao todo, o fundo pode totalizar R$ 650 milhões em emissões de cotas. “Isso deve ser suficiente para três ou quatro anos de estruturaç­ão. Depois disso, podemos abrir outro fundo”, afirmou.

Por sua vez, o empresário Alexandre Frankel, da Vitacon e da Housi, não fala especifica­mente sobre o fundo, pois está em período de silêncio. No entanto, defende que o mercado de locação residencia­l, de modo geral, é promissor. “Essa classe de ativo representa uma grande alternativ­a de investimen­to”, disse. “Quando o Brasil tinha uma Selic de 14% ao ano, era impensável investir em aluguel. Mas, com a perspectiv­a de juros baixos no longo prazo, o setor se torna atrativo”.

No mercado de FIIs, o ano que vem também deve oferecer aos investidor­es ao menos mais uma opção de aporte no segmento de aluguel residencia­l. A gestora de recursos VBI, dona da empresa Uliving, planeja levantar cerca de R$ 500 milhões em um fundo no segundo semestre de 2020 com apartament­os para estudantes.

Quem também pode investir na área é a Cyrela. A empresa se juntou ao fundo de pensão canadense CPPIB para entrar no mercado de locação de imóveis residencia­is. No futuro, os ativos podem vir a compor fundos. Procurada, a Cyrela informou que “acompanha de perto as tendências e novas formas de gerar negócios para o setor”.

Qualidade

“O FII de aluguel residencia­l pode fazer sentido se tiver bons imóveis, comprados no preço certo e for bem gerido. Acredito que haverá novas emissões em 2020.”

Eduardo Malheiros, SÓCIO-FUNDADOR DA HABITAT CAPITAL

 ?? WERTHER SANTANA/ESTADÃO ?? Inadimplên­cia. Setor residencia­l é mais sensível a crises
WERTHER SANTANA/ESTADÃO Inadimplên­cia. Setor residencia­l é mais sensível a crises
 ??  ?? NA WEB
Subida. Alta de FIIS pode ser menor agora estdao.com.br/e/fiis
NA WEB Subida. Alta de FIIS pode ser menor agora estdao.com.br/e/fiis

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil