O Estado de S. Paulo

CVM quer levar educação financeira a povos indígenas

Pesquisa em aldeias no Pará mostrou falta de informação e elevado índice de inadimplên­cia entre as famílias

- Mariana Durão

A Comissão de Valores Mobiliário­s (CVM) quer levar o mercado de capitais até as comunidade­s indígenas. Uma missão parte em janeiro para o Pará com o objetivo de desenhar um programa de educação financeira orientado para o empreended­orismo e a busca de soluções para financiar o desenvolvi­mento sustentáve­l de aldeias da região.

Um primeiro contato com os índios foi feito no início de novembro, quando o superinten­dente de Proteção e Orientação aos Investidor­es do órgão regulador, José Alexandre Vasco, passou seis dias em visita a aldeias dos povos jaraki, arapiun e tapajó, na Amazônia.

Acostumado a ambientes formais e a plateias de engravatad­os, ele levou quatro horas e meia de barco de Santarém até a aldeia em que ficou baseado. Dali teve de pegar trilhas na mata para chegar às demais.

“Tivemos um encontro com caciques de sete aldeias de uma região no noroeste do Pará. É um território que preserva a Amazônia, mas em que os índios enfrentam dificuldad­es imensas para dar uma vida digna às suas famílias. A gente queria conhecer essa realidade de perto pensando em um programa de educação financeira”, contou ele.

Entre outros pontos, Vasco explicou aos índios como funciona o mercado de capitais e conceitos como os de financiame­nto coletivo (conhecido como crowdfundi­ng) e de mercado de crédito.

Endividado­s. Em agosto, uma pesquisa de campo sobre educação financeira em duas aldeias indígenas no Território Cobra

Grande foi orientada pelo professor Alexandre Damasceno, do Núcleo de Formação Indígena da Universida­de do Pará. Na aldeia Lago da Praia, a pesquisa com as famílias mostrou que 95% delas nunca receberam orientação financeira e 85% se disseram endividada­s. A maior parte tem conta bancária, mas 80% declararam que não fazem investimen­tos. Os 20% que investem o fazem via aplicação na caderneta de poupança.

Segundo a pesquisa, na maioria das vezes, quem tem renda entre os índios são funcionári­os públicos temporário­s com vínculo escolar (professor, vigia, servente, auxiliar de secretaria). Fora isso, as atividades mais comuns são a pesca e o artesanato. Os dados são um ponto de partida, mas ainda há muito a desenvolve­r.

Financiame­nto. A ideia nesta segunda missão da CVM, em janeiro, é aprofundar o conhecimen­to dessa realidade para entender quais seriam os melhores instrument­os para financiar o desenvolvi­mento sustentáve­l desses povos.

O projeto deve envolver o Laboratóri­o de Inovação Financeira (LAB), um projeto conjunto de CVM, Banco Interameri­cano

de Desenvolvi­mento (BID) e Associação Brasileira de Desenvolvi­mento (ABDE) que, entre outras coisas, se propõe a promover soluções de mercado para financiar o desenvolvi­mento sustentáve­l. Há também conversas com a Fundação Nacional do Índio (Funai). “O que falta a eles é capital. Pedimos que pensassem sobre sua vocação econômica”, relata Vasco.

Ele dá exemplos de experiênci­as frustradas na gestão de recursos, como no financiame­nto a um barco que acabou gerando inadimplên­cia ao líder de uma aldeia, e a dificuldad­e em levantar recursos para a compra de um equipament­o que ajudaria a melhorar o aproveitam­ento econômico da pesca em uma outra aldeia.

De acordo com o superinten­dente da CVM, se der certo, o projeto poderá ser replicado com outros grupos considerad­os vulnerávei­s na região: comunidade­s quilombola­s, povos ribeirinho­s e agricultor­es familiares. A meta da CVM é divulgar os resultados da primeira fase do programa em outubro de 2020.

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ARQUIVO PESSOAL Projeto. José Alexandre Vasco (C) passou seis dias em visita a aldeias indígenas no Pará, no início de novembro deste ano

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