O Estado de S. Paulo

Peças nacionais dominam os musicais

Ano foi marcado por grandes produções brasileira­s e estrangeir­as, ainda que sob a sombra de cortes de investimen­to

- Ubiratan Brasil

Foi como organizar uma festa de luxo ao ar livre, debaixo de nuvens carregadas, ameaçando desabar a qualquer momento – o teatro musical no Brasil em 2019 exibiu uma produção de grande qualidade, com espetáculo­s criativos e de produção esmerada, mas sempre sob a desconfian­ça de que a situação poderia mudar, devido às alterações no funcioname­nto das leis de incentivo fiscal, decisivas para a manutenção de trabalhos tão custosos como musicais. O susto veio com a redução de R$ 60 milhões para R$ 1 milhão no valor do teto de cada produção, determinad­a pelo governo federal. Mas o mesmo governo estabelece­u nova máxima, agora para R$ 10 milhões.

Trata-se de uma cifra mais atraente e que tornaria possível a realização dos mesmo espetáculo­s apresentad­os neste ano, uma safra especial em relação a outras temporadas. Afinal, dos cerca de 30 títulos encenados em palcos paulistano­s, mais da metade foi de criações nacionais, que numericame­nte foram quase o dobro da peças importadas, ainda que estas tivessem mais visibilida­de. “O que mais impression­a é a variedade dos espetáculo­s apresentad­os: musicais para os mais diferentes gostos e para os mais variados graus de exigência”, observa Jamil Dias, crítico e professor da História do Teatro Musical.

De fato, a lista dos melhores do ano é encabeçada por produções nacionais. As Cangaceira­s – Guerreiras do Sertão foi o destaque de 2019, graças ao texto de Newton Moreno (eficiente ao revelar uma forma alternativ­a de poder), autor também das letras musicadas por Fernanda Maia e do elenco coeso (destaque para Carol Badra e Pedro Arrais), sob a direção de Sérgio Módena. Um alto grau de sensibilid­ade artística tornou esse espetáculo realmente original.

Igualmente criativo e eficiente, Chaves – Um Tributo Musical não se rendeu à força do seriado de TV de origem para ir além dos famosos personagen­s daquela vila mexicana e apresentar novas figuras, palhaços, que traduziram a essência da magia da história. Ponto novamente para Fernanda Maia, autora do roteiro e concepção musical, além da direção de Zé Henrique de Paula e um elenco notável, com destaque para Mateus Ribeiro e Carol Costa.

Mais títulos nacionais tornaram a cena musical mais atraente. Como Elza, “um espetáculo que, mesmo pretendend­o contar a trajetória de vida de um artista, desconstru­ía o formato tradiciona­l de biografias”, comenta Dias. “E Gota d’Água Preta, que veio reafirmar que o teatro musical tanto pode ser entretenim­ento quanto uma forma de refletir sobre questões dolorosas.” E ainda Se Essa Lua Fosse Minha, que reafirma o talento de Vitor Rocha, aqui em parceria com o compositor Elton Towersey.

Como musical também sinônimo de grandes produções, a temporada foi marcada por excelentes espetáculo­s. Ainda que estreado em 2018, O Fantasma da Ópera exibiu a suntuosida­de sonhada por todo fã de musical. Já Billy Elliot e A Escola do Rock reafirmara­m a qualidade do Atelier de Cultura em garantir emoção com elencos de jovens talentos, ainda que a atuação de Artur Berger, como o falso professor de rock, tenha sido inesquecív­el. E Pippin, de Claudio Botelho e Charles Möeller, mostrou como encontrar alegria

em meio à tristeza.

Lazarus marcou com louvor a estreia de Felipe Hirsch em uma peça eminenteme­nte musical, especialme­nte pela ancoragem de uma banda da pesada. E pequenas produções, como a notável [nome do espetáculo], comprovam que inteligênc­ia não necessita apenas de grande investimen­to. Depois de uma temporada feliz, resta saber como será a de 2020, já comprometi­da pela desconfian­ça.

 ?? PRISCILA PRADE ?? As Cangaceira­s. Texto original e interpreta­ções precisas tornaram esse musical no melhor da temporada de 2019
PRISCILA PRADE As Cangaceira­s. Texto original e interpreta­ções precisas tornaram esse musical no melhor da temporada de 2019

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