O Estado de S. Paulo

Bela despedida (de 2019), por meio do western

- Luiz Carlos Merten

Como toda segunda, o Telecine Cult abre espaço para o western em sua programaçã­o, exibindo três em sequência. Começa com Matar ou Morrer, de Fred Zinnemann, com Gary Cooper no papel que lhe valeu o Oscar, 20h25; prossegue com A Marca da Forca, de Ted Post, com Clint Eastwood, 22h; e termina com O Homem Que Matou o Facínora, de John Ford, com John Wayne e James Stewart, 0h05.

Num certo sentido, The Man Who Shot Liberty Valance, de 1962, talvez seja o maior western do cinema, embora seja também um dos menos caracterís­ticos. Muito falado, quase todo em interiores, com pouca ação. Filmando em Monument Valley, que virou solo sagrado do cinema, Ford usou o gênero para mostrar como se constrói uma civilizaçã­o. Como Homero, criou sua Odisseia, forjou os próprios mitos. A partir de determinad­o momento, deve ter percebido o desvirtuam­ento dos mitos que ajudara a erigir. E passou a integrar, com grande dignidade, os negros e índios a suas epopeias.

Audazes e Malditos, Crepúsculo de Uma Raça. Entre ambos,

O Homem Que Matou o Facínora. Pistoleiro­s do Entardecer, foi Ford que criou, não Sam Peckinpah.

A desmistifi­cação do mocinho, a desconstru­ção da lenda. Logo no começo, Stewart, como Ramson Stoddard, vem com a mulher para o enterro de um certo Tom Doniphom, no lugarejo de onde saiu para ser senador dos EUA. Quem é esse Doniphom? A narrativa em flash-back elucida tudo. Ransom ficou conhecido, e fez carreira na política, como o homem que matou o facínora que aterroriza­va a região. Só que a história, revista, não foi bem assim. Havia um triângulo, formado por Ramson, Tom e a personagem de Vera Miles. Houve um sacrifício. O filme celebra a grandeza dos derrotados.

Duas cenas estão entre as mais belas filmadas. O cáctus que Vera ganha de presente, com a flor do deserto. A aula de democracia. E ainda tem a revelação final sobre o homem que matou Liberty Valance/Lee Marvin, outra revelação – e se Vera, a vida toda, tiver amado o outro?

Houve grandes westerners. Anthony Mann, Budd Boetticher, Howard Hawks, Raoul Walsh. Ford foi o maior. Criou epopeias de grupos, celebrou a tragédia de um solitário – o Ethan Edwards/John Wayne de Rastros de Ódio. Seguiu filmando, mas O Homem Que Matou o Facínora tem algo de despedida. Será o último de três, na última segunda do ano. Também uma despedida – para que outro ano comece. Mas antes teremos o xerife Will Kane/Cooper esperando o trem do meio-dia naquela estação, na denúncia do macarthism­o por Zinnemann (e seu roteirista, Carl Foreman); e Clint disposto a se vingar dos homens que o fazem carregar no pescoço a marca da forca. O cinema em sua diversidad­e, e beleza.

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UNITED ARTISTS Gary Cooper. Oscar como o xerife de ‘Matar ou Morrer’

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