O Estado de S. Paulo

Sue Lyon, a eterna Lolita de Stanley Kubrick

Atriz que morreu aos 73 anos filmou com grandes autores, mas ficou marcada pelo papel

- Luiz Carlos Merten

Seu nome era Suellyn Lyon, mas foi como Sue Lyon que se tornou conhecida, quando Stanley Kubrick a escalou para o papeltítul­o de sua adaptação do romance de Vladimir Nabokov, Lolita. Tinha 15 anos na época da filmagem, e deveria interpreta­r uma garota dos 12 aos 17. Rememorand­o, o livro virou objeto de escândalo por narrar um caso de pedofilia. O respeitáve­l Humbert Humbert deseja a ninfeta. Para ficar próximo dela, chega a casar-se com sua mãe, que faz uma viagem e o deixa sozinho com Dolores, a Lolita. Humbert faz de tudo para mascarar seu desejo e impedir que ele se torne público.

Como o livro, o filme provocou escândalo. Sue Lyon ainda era de menor e não pôde assistir à estreia. Foi sempre associada à personagem, mas Kubrick não a expõe. O desejo está no olhar de Humbert. Sue morreu, aos 73 anos, de causa não revelada, na quinta, 26. O anúncio foi feito no fim de semana, em Los Angeles.

Teria sido a atriz de uma só personagem? Não, porque na sequência filmou com John Huston A Noite do Iguana, adaptado de Tennessee Williams. No México, o ex-padre fornicador Richard Burton envolve-se com três mulheres – Ava Gardner, Deborah Kerr e Sue, que não é nada inocente. Logo em seguida, encarou John Ford (Sete Mulheres), Irvin Kershner (O Magnífico Farsante) e Gordon Douglas (Tony Rome).

Poderia ter sido uma carreira gloriosa, mas Sue perdeu-se em filmes de pouca expressão e ligações complicada­s. O primeiro e o segundo casamentos duraram um ano, em média. Casouse, na cadeia, com um assassino confesso que havia conhecido através de um programa de ajuda. Em 1985, conheceu o que seria o quarto marido, Richard Rudman, com quem dizia que encontrou estabilida­de emocional. Deu como encerrada a carreira em 1986. Divorciara­m-se em 2002. Permaneceu single.

Durante toda a vida, Kubrick quis sempre fazer a obra-prima definitiva de todos os gêneros pelos quais incursiono­u. Não deu certo com Lolita. Ele criou uma comédia de humor negro – ainda se pode rotular assim? –, usando efeitos visuais e a trilha, com destaque para o tema YiYi, da goma de mascar de Lolita, como substituto­s para as inovações da prosa de Nabokov. A crítica não aceitou, o público não entendeu. Inverteu o estrutura – e começou pelo fim. Humbert mata Quilty, que faz com Lolita o que ele não consegue. Humbert é interpreta­do por James Mason; Quilty, por Peter Sellers, que entende o partido do humor do diretor e rouba a cena (antes de Doutor Fantástico e do Inspetor Clouseau). O problema é que talvez não fosse um tema para Kubrick. O francês Eric Rohmer entendia muito mais da atração de homens maduros pelos joelhos de garotinhas. Mas marcou, para o bem e para o mal, a vida de Sue Lyon.

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METRO-GOLDWYN-MAYER Sue. Para Kubrick, desejo está nos olhos de quem vê: inocente ou perversa?

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