Da favela no Rio para Tóquio
Após infância difícil no Rio, Marcello Ciavaglia é escolhido para testes com a seleção de saltos
Aos 42 anos, Marcello Ciavaglia disputa vaga na equipe olímpica.
Vice-campeão brasileiro e do ranking sênior top de saltos em 2019, o cavaleiro Marcello Ciavaglia, de 42 anos, está em Wellington, na Flórida, nos EUA, para um período de observação do técnico Philippe Guerdat, da seleção brasileira. O objetivo dos treinos é definir a equipe para os Jogos de Tóquio. A chance de disputar a Olimpíada é o capítulo mais recente de uma trajetória improvável, que começou no Terreirão, favela localizada atrás da Praia da Macumba, no Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro.
Uma das lembranças mais marcantes de Marcello é do barraco que o pai montou em uma gruta na encosta da praia. “Meu pai desmontou uma lixeira que ficava na gruta e nós começamos a morar lá”, recorda-se. “Vivi lá dos três aos oito anos”. Depois de adolescente, ele voltava com frequência para visitar os primos no Terreirão. Ao longo dos anos, perdeu vários amigos para a violência e o tráfico de drogas.
Sua carreira de cavaleiro começou paradoxalmente em um momento triste: a separação dos pais. Ele escolheu ficar com o pai, Décio Antonio Ciavaglia, que foi trabalhar como tratador de animais em um haras. O menino que morria de medo dos cavalos começou a ter aulas gratuitas em troca do trabalho no espaço de Hugo Amaral. Levava jeito. Embora tenha estudado apenas até a oitava série do antigo Ensino Fundamental, o cavaleiro fala cinco idiomas (inglês, francês, espanhol, português e italiano) depois de ter trabalhado na Itália e no México como atleta e professor de equitação.
O ano de 2019 foi um dos melhores de sua carreira. Ele somou importantes vitórias, como no GP da Copa São Paulo na Hípica Paulista e no GP Indoor em Curitiba. Mesmo com os bons resultados, Marcello planejava diminuir as competições para dedicar mais tempo para suas clínicas em 2020. Foi aí que surgiu o convite do técnico da seleção brasileira de saltos. Marcello irá defender o Brasil na Copa das Nações na 8.ª semana do Winter Equestrian Festival. Ele está no grupo de 20 atletas em observação para o Time Brasil de Salto em Tóquio. O menino que morava na gruta da praia da Macumba pode ser cavaleiro
olímpico.
Por enquanto, ele está com um pé atrás. “Se eu não conseguir o desempenho esperado pelo técnico, eu voltarei para o Brasil com um nível excelente. Se as coisas derem mais ou menos certo, eu posso ser selecionado para participar de uma das futuras edições da Copa das Nações ou dos Jogos Pan-Americanos”, diz o carioca com a voz pausada e as frases bem organizadas. “Se tudo certo, eu tenho chance de ir para a Olimpíada”, sorri, cauteloso. “Eu tenho 1% de chance, mas acho suficiente. Se as coisas derem certo, minhas chances aumentam para 30%”.
Marcello começou bem o ano. Na semana passada, ele venceu a 1.ª de 12 semanas no Winter Equestrian Festival 2020, no Palm Beach International Equestrian Center, em Wellington. A maior e mais longa competição do hipismo mundial distribui cerca de U$ 13 milhões (R$ 54 milhões) em premiação aos competidores.
Marcello credita boa parte do sucesso à sua montaria. Há dez anos, ele monta Conto RJ, um holsteiner de 14 anos de propriedade de Roberto Jessourun. Holsteiner é uma raça de cavalos do norte da Alemanha. É um cavalo muito popular para hipismo em varias regiões do planeta. Ele é forte e resistente.
Marcello afirma que a vida na favela não é fácil, mas o ajudou a chegar tão longe. “A vida na comunidade não é muito fácil, mas ali eu vi o que era preciso para correr atrás dos sonhos. O importante é andar sempre em linha reta”. / G. Jr.